“Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira”
“Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira”
Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira

“É como conversamos e nos expressamos: comprando merda.”

Agora que já assisti dois episódios de Black Mirror posso afirmar: essa série é uma crítica em formato audiovisual à sociedade atual. E o melhor de tudo é que as críticas ficam claras nos episódios.

No segundo episódio de Black Mirror somos levados a um complexo, onde milhares de pessoas tem somente um dever a cumprir: passar o seu dia pedalando em bicicletas para gerar energia. Aqui já temos a primeira crítica do episódio: A mesmice do dia-a-dia do ser humano. Vemos a vida de um rapaz, Bing, e como ele passa o seu dia, indo da sua cela – um local totalmente tecnológico – para o local de trabalho, onde pedala parar gerar energia e acumula milhas, que são usadas para comprar sua comida, produtos para higiene e outras coisas disponíveis no seu sistema totalmente computadorizado e tecnológico. Um fato interessante é que quando Bing está na sua cela, banheiro, ou qualquer outro lugar que tenha uma tela digital, comerciais começam a passar de acordo com os seus gostos, e se o Bing quiser não ver estes comerciais, ele deve utilizar uma quantia de suas milhas como forma de pagamento. Isso também é uma crítica, pois se quisermos ter qualquer regalia, como serviços sem comerciais nos dias atuais, nos temos que pagar uma taxa a mais.

Bing, diante da mesmice de sempre, se apaixona por uma novata do seu complexo, chamada Abi, porém não sabe como se comunicar com ela, como expressar seus sentimentos; e isso é o que acontece atualmente. Passamos tanto tempo tendo uma vida social online nas redes sociais, que esquecemos como é se comunicar pessoalmente com uma pessoa. Bing só supera este problema quando no almoço, Abi tem um problema com a máquina de comidas e Bing a ajuda. A partir daí o relacionamento deles só cresce e Bing sabendo como é bela a voz da Abi, resolve comprar para ela, utilizando suas 15 mil milhas acumuladas, um ingresso para um  reality show chamado “O Popular”, que na sociedade deles, é a única forma de ascender e ter uma vida a mais do que pedalar bicicletas pra gerar energia.

“Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira”
“Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira”

Já na área de seleção para o reality, vemos Bing e Aby esperando juntos com várias outras pessoas que também querem ascender socialmente. Algumas estão lá a mais de uma semana esperando, e para a surpresa de Aby e também para a nossa, ela já é de cara escolhida para ir se apresentar no palco, pois ela tem de longe uma “beleza exuberante”. Aqui vai mais uma crítica: na sociedade atual as oportunidades não são iguais para todos. Após se apresentar, Abby é destruída por críticas machistas dos jurados. Falando que cantar não é o seu maior dom, e sim a sua beleza, oferecendo para ela um lugar em um dos canais de entretenimento do complexo onde vive: um canal pornô. Desta vez a crítica é clara e forte: na sociedade atual só importa as qualidades que os outros veem em você, não importa o que você realmente gosta. Você fará o que eles acham certo para você, e só lhe resta aceitar isso. E é o que acontece com a Abby.

Depois do que acontece o episódio atinge o seu ápice. Bing simplesmente não acreditando no que aconteceu, se revolta, quer alertar as pessoas sobre o sistema e o que ele está impondo. Controlando o seu modo de vida, limitando suas escolhas e tornando eles em nada mais do que um produto, que come, dorme e trabalha. Acho que nem preciso falar o quão parecido é esta situação com os dias de hoje. E em off aqui com a gente: esse episódio é de 2011!

Enfim, determinado em comprar um ticket para o reality e falar na frente dos jurados e de todos, o que acha do sistema, ele começa a trabalhar cada vez mais para acumular as 15 mil milhas. Se privando de refeições, higiene e regalias. Após mais de 2 meses ele consegue a quantia e compra o ticket para o programa.

“Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira”
“Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira”

Sobre o local de trabalho, não posso deixar de comentar que as pessoas, enquanto trabalham, podem comer e jogar qualquer coisa no chão, que funcionários vêm limpar a sujeira deles. Mas aí você pode estar pensando, “o que tem de mais nisso?”. Tem muito “de mais” nisso. Os funcionários de limpeza são pessoas gordas, e nessa sociedade, pessoas gordas são tratadas como lixo! Pois não atendem aos padrões físicos humanos, para poderem trabalhar nas bicicletas e ter uma chance de ascensão social. É o que acontece hoje e sempre continuará acontecendo. A sociedade nos impõe padrões de beleza, étnicos, religiosos e tantos outros. Os que não pertencem a algum dos padrões estipulados simplesmente não existem para a sociedade.

No programa e na frente dos jurados e da plateia virtual cheia de avatares – isso mesmo, a plateia é constituída pelos avatares dos trabalhadores, que por meio da conexão de suas celas, assistem ao programa e interagem por meio de seus respectivos avatares – Bing fala tudo! Esfrega a verdade na frente de todo mundo, e claro, ele só foi capaz de dizer tudo isso porque estava com um pedaço de vidro apontado para sua jugular, ameaçando se matar caso alguém o impedisse de dizer o que queria. O que mais me chocou é que mesmo após isso, os jurados e os telespectadores do programa não mudaram sua opinião. Trataram o Bing como mais um participante, considerando ele algo inédito, oferecendo um lugar em um dos canais para que ele sempre possa falar esses tipos de críticas. Creio que em meio a esta ilusão em tentar acordar as pessoas, Bing termina como Aby, e aceita a proposta.

Para fechar com chave de ouro, vemos que agora outra pessoa trabalha no lugar de Bing, todos seguem realizando a mesma rotina, só que eles possuem uma nova atração para assistir enquanto trabalham. Bing tem um programa e nele fala as verdades sobre o sistema, porém todos levam aquilo como uma diversão, fechando os olhos para a verdade. Isso é justamente o que as pessoas fazem hoje em dia. Fecham os olhos e aceitam tudo o que a sociedade nos impõe, servindo apenas como uma simples máquina de trabalho, que produzirá capital e enriquecerá os que estão no poder.