Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira
Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira
Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira

O processo de luto deve ser muito doloroso para alguns, assim como incompreendido para outros. Cada um lida de diferentes maneiras com a perda de um ente querido, seja por meio da raiva, tristeza, indignação, dentre outras manifestações de sentimentos. Mas você já imaginou poder conversar com o seu ente amado que faleceu? Poder toca-lo, dizer que o ama, passar mais dias juntos, ou até mesmo fazer sexo?

O episódio de estreia da segunda temporada de Black Mirror contou a história da Martha (Hayley Atwell) e Ash (Domhnall Gleeson), seu marido, que morre após um acidente. Para passar pelo período de luto, Martha, utiliza um aplicativo que permite que ela converse com o seu marido morto. Tudo isso com base nas suas postagens nas redes sociais, e-mails, fotos e vídeos pessoais. Porém as coisas saem do controle quando ela encomenda uma prótese humana do seu marido, que apesar de ser muito parecido com ele, ainda é uma máquina e não sabe realmente tudo sobre o falecido marido da Martha.

Eu vou ser bem direto quanto à crítica deste episódio: a tecnologia não substitui um humano! Por mais que você utilize dos tantos benefícios existentes hoje graças a tecnologia, como conversar online, fazer vídeo-chamadas, mandar e-mails, postar fotos, vídeos e várias outras coisas, online, um bom relacionamento, um relacionamento de verdade, é aquele onde temos duas pessoas frente a frente, conversando e trocando experiências.

Quem nunca ficou impressionado com a capacidade do GPS te levar a qualquer lugar? Não é uma maravilha? Eu utilizo muito o GPS para ir a locais muito distantes da minha cidade ou que não conheço, porém você não fica sempre com aquela dúvida dolorosa de “será que estou no lugar certo?” “é realmente esse o lugar onde eu deveria estar?”. Sim, essa dúvida sempre chega pra te infernizar e fazer você pensar 1001 coisas, mas você sabe por que essa dúvida chega pra te infernizar? Ela chega porque o seu cérebro está te defendendo do que ele não conhece. Você nunca esteve naquele lugar, assim como ele (seu cérebro) nunca esteve, e por mais que você esteja neste lugar o seu cérebro simplesmente não sabe a rota que você fez até ali, mas o seu GPS sim.

É claro que o GPS não é uma tecnologia 100% segura, e sabemos disso muito bem, como por exemplo, no caso que aconteceu no Rio de Janeiro, onde dois estrangeiros foram mortos ao entrar em uma favela por engano, pois o GPS do seu carro falhou e os levou ao lugar errado. E se ao invés dos estrangeiros terem usado o GPS, eles tivessem usado o cérebro? Eles teriam chegado nessa mesma favela? Eles não sabiam o caminho, a dúvida infernal ia chegar e em algum momento eles iriam perguntar para alguma pessoa onde ficava o local que desejavam chegar, pois ninguém fica vagando por aí perdido sem ao menos tentar pedir ajuda de alguém.

Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira
Imagem: Arquivo Pessoal/Rubens Oliveira

E é com esse exemplo – interminável (risos) – do GPS, que comparo a situação com a história de Martha, após perder o marido. Ela ficou espantada, ou melhor, encantada com o fato de conseguir conversar com o marido que estava morto! Se ela estava chorando há um dia pela morte de seu amado, agora ela estava conversando com ele, falando sobre a filha que eles vão ter, sobre a vida, tocando a sua pele, sentindo o seu rosto, satisfazendo os seus desejos carnais. Porém você sabe diferenciar o seu pai do pai do seu amigo, claro? Seu pai tem características próprias – não leve em consideração a aparência – o que torna ele ‘o seu pai’. Ele te trata de um modo que outras pessoas não te tratam, como te chamar por um apelido pessoal. A Martha logo percebeu que tudo aquilo, aquela máquina que estava imitando horrivelmente o seu marido era tudo ilusão. O seu marido estava morto e nada poderia substituí-lo.

Esse episódio soube muito bem desenvolver essa crítica e fazê-la transparecer durante a trama. Por mais que a tecnologia consiga cada vez mais suprir as suas necessidades, os buracos vazios que existem em você, o vazio sempre continuará ali. Pode não te incomodar em um primeiro momento, mas alguma hora você irá sentir a ilusão da qual escolheu fazer parte.