Título Original: Superman – Red Son

Título Nacional: Superman – Entre a Foice e o Martelo

Editora: Panini/DC Comics

Ano de Lançamento: 2003

Roteiro: Mark Millar

Desenhista: Dave Johnson

Tradutor: Jotape Martins

Publicação: Minissérie

Edições: 03

“E se?”

Esta simples expressão é responsável por criar ideias, inverter situações e, dentro do cenário aqui explorado, possui o grande poder de mudar a história. Se existe uma HQ que representa de forma formidável uma realidade paralela, esta é Superman: Entre a Foice e o Martelo.

Partindo de uma premissa imaginada por Mark Millar, a HQ reconta a famosa história de Kal-El dentro de uma conjectura de tempo e espaço, na qual a nave do personagem adentra a superfície terrestre aproximadamente 12 horas depois do pressuposto horário da história original e acaba aterrissando em um território ucraniano, na época parte da União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS), o qual se torna lar do filho de Krypton.

O enredo discorre sobre um mundo onde os ideais comunistas, cultivados durante a Guerra Fria, foram instalados e propagados globalmente sob a governança passiva de Superman posteriormente a morte de Josef Stalin. O homem de aço é responsável por transformar o mundo em um lugar utópico, sem guerras, fome ou quaisquer infortúnios que até então assolavam a humanidade. Esta plenitude, no entanto, é uma exceção somente para dois territórios: Chile e EUA, sendo este último um símbolo máximo de resistência ao governo vigente no mundo.

Todo o desenvolvimento da história é sustentado de forma primorosa através de reflexões consistentes, trazidas principalmente pelos personagens que, em determinados pontos da HQ, são responsáveis por deixar claro que a utopia de uns sempre é a distopia de outros. A figura de Pyotr Roslov, filho ilegítimo de Stalin, revela não só sua inveja por não assumir o poder depois da morte do líder, como também se aprofunda no argumento de que Superman, com sua origem extraterrestre e suas características indestrutíveis, é um retrato contraditório incapaz de representar a igualdade entre os homens, buscada tão intensamente na filosofia comunista. Além dele, outros renomados personagens da DC Comics também exercem fortes funções dramáticas na revista. Batman se torna a personificação da anarquia, refletindo uma verdade imutável: qualquer sistema político/social, por mais perfeito que seja, possui seus efeitos colaterais. Enquanto isso, a Mulher-Maravilha é colocada como Embaixadora da Paz Internacional e Lanterna Verde expõe o poder de uma mente justa e determinada.

Apesar de a história ter como palco principal a terra simbolizada pela foice e o martelo, a imagem dos EUA tem seu espaço garantido e enaltecido pela figura de Lex Luthor, personagem que foi levado ao extremo da inteligência humana, a fim de representar a essência da personalidade nacionalista americana e toda sua genialidade maquiavélica, disposta a fazer qualquer coisa para alcançar seu objetivo que, neste contexto, consiste em exterminar o homem de aço e impedir que sua controladora utopia se estabeleça por completo. Luthor representa a amplitude do potencial cravado na essência da raça humana, sendo ele responsável por se posicionar de igual para igual diante Superman e colocá-lo em xeque sobre um profundo dilema: usar a violência para manter a ordem ou permanecer passivo correndo o risco de perdê-la?

A relutância visceral traduzida na figura de Luthor é uma forma de demonstrar que a humanidade precisa cometer os próprios erros com a finalidade de garantir sua evolução e para isso, é indispensável que exista espaço para a máxima que faz de seus indivíduos, genuínos seres humanos: a liberdade.

Obviamente a revista estadunidense traz o crepúsculo do sistema mundial comunista e o revés da narrativa reconhece de uma vez a superioridade americana, ainda através da estratégica cabeça de Lex Luthor, fazendo com que o Homem de Aço admita sua indesejável interferência na Terra dos homens e como isso não o torna diferente de um ser superior que engarrafa uma raça inferior, impedindo que a mesma exerça sua autonomia. Além disso, o desfecho surpreendente da história supõe que Superman não está tão distante da natureza humana como se imagina e que o futuro da humanidade ainda pode depender de um ser extraterreno.

Vale a pena desfrutar desta leitura e descobrir como um hipotético “e se?” pode gerar profundas reflexões, além de consequentemente resultar em histórias geniais, tal qual esta que aqui se apresenta. Superman Entre a Foice e o Martelo é sem dúvida uma história perfeitamente construída, capaz de ponderar os dois lados de uma mesma moeda: um homem pode personificar a figura de Deus ao mesmo tempo em que se torna um símbolo de opressão, assim como a rebeldia pode representar uma ameaça ao mesmo tempo em que estampa em si uma súplica por liberdade e por fim, revela que o mundo pode até se tornar perfeito, mas a perfeição ainda se sujeitará aos olhos de quem vê.