Divulgação/Netflix

…o que é o ser humano? De onde ele vem? O que o motiva? Qual é seu propósito?” representa perfeitamente o que é o cerne da ficção científica, questionar. A ciência, desde sempre, desvenda os grandes mistérios da vida, mas isso só é possível porque o ser humano, desde os seus primórdios, questiona a própria existência. Dark, a série alemã que chegou a Netflix compreende primorosamente este conceito e é, sem pestanejar, a melhor série lançada pelo serviço de streaming em 2017.

Dark, inicialmente, traz questionamentos filosóficos bastante pertinentes em uma abordagem que remete o sobrenatural, tal essência é bastante duradora até que se descubra, ou perceba, que a série se trata de uma ficção científica. A história, mesmo que dada sinopse, é inexplicável. O enredo de Dark é complexo, mas não é subjetivo ao de não ser entendido. Na verdade, prestando muita atenção, é possível captar o que a série está contando e entender tudo o que se passa. A narrativa bem elaborada é o que torna essa história ainda mais prazerosa de ser acompanhada.

O charme de Dark, no entanto, está na sua capacidade de ser um produto narrativamente episódico com qualidade e simbolismos cinematográficos. Enquanto é possível acompanhar a sua complexa história, a série ainda mostra muito mais do que o texto está querendo dizer. Cada personagem que tem a sua história contada, apresenta elementos de cena conceitualmente primorosos – como os personagens que aparecem de costas para a câmera, simbolizando que os mesmo fogem de algo ou que carregam um grande peso nas costas; ou o amarelo que persegue Jonas (Louis Hofmann), que busca por respostas sem perder a esperança; entre outros -. Dark, sem dúvida, não constrói sua narrativa por acaso, tudo é proposital, tendo um significado e um propósito dentro do enredo.

Além de toda a qualidade técnica impecável, e do roteiro implacável, Dark também é uma oportunidade para fugir do eixo de produções televisivas de Estamos Unidos e Reino Unido, provando que outros países, neste caso a Alemanha, são capazes de produzir conteúdo audiovisual com qualidade primorosa. Dark compreende que a linguagem utilizada em sua narrativa é complexa, assim, o roteiro sabe que suas explicações não podem ser facilitadas e devem seguir este mesmo padrão. Outro detalhe, ainda mais importante, é que mesmo explicando alguns dos seus questionamentos para fazer a história avançar, Dark não subestima o espectador e caracteriza sua ficção científica como uma das mais inteligentes feita para a TV nos últimos anos – o roteiro entende que o público está acompanhando a história, e este não precisa que a série jogue na sua cara as respostas que procura, dando a oportunidade do programa se sobressair ao trazer suas resoluções de forma sutil e natural.

Ulrich Nielsen (Oliver Masucci) na 1ª temporada da série Dark da Netflix
Divulgação/Netflix

Dentro dessa mesma oportunidade de conhecer uma produção idealizada por um país diferente está também o elenco. Dark apresenta atores e atrizes excelentes que conseguem passar todo o peso dramático daquela história. O fato torna-se ainda mais gratificante quando cada personagem consegue ser brilhantemente interpretado por cada um dos atores e atrizes que formam o elenco, das menores até as maiores participações dentro da história. Aliás, com tantas ida e vindas no tempo, é admirável o cuidado que a produção do programa teve em encontrar atores e atrizes de diferentes idades que conseguem ser semelhantes aos seus personagens no passado e no futuro.

Com episódios perfeitamente dirigidos, em sua maioria pelo criador da série (Baran bo Odar), Dark é embalada por uma trilha sonora diferente e por vezes estranha (mas sempre bem-vinda), que em sua subjetividade consegue fazer com que todos os sentimentos e estados que os personagens exaltam sejam transmitidos pela tela da Netflix. A trilha, assinada por Ben Frost, ao mesmo tempo que se mostra eficiente ao acompanhar os elementos recém citados, ainda dialoga com o tom questionador e enigmático estabelecido pelos 10 episódios da primeira temporada. O mesmo ainda serve para a fotografia de Nikolaus Summerer, que carrega boa parte da simbologia que Dark se compromete a apresentar, além de valorizar ainda mais a perfeita misè-in-scene da série.

Jonas (Louis Hofmann) e Martha (Lisa Vicari) na 1ª temporada da série Dark da Netflix
Divulgação/Netflix

Dark surgiu rotulada como a “Stranger Things” alemã, mas seria diminuir (e muito) a série se isso continuasse em mente ao longo da primeira temporada. Há semelhanças, é verdade, mas essa impressão some logo de cara quando Dark mostra que é completamente diferente – principalmente ao usar os anos 1950 e 1980 como recursos narrativos e elementos importantes para a sua história, indo muito além de ambientação e nostalgia. A série alemã lançada pela Netflix, é uma das melhores produções da TV em 2017, e se serve de elogio, a única que consegue atingir o nível da aclamada e já bastante premiada The Handmaid’s Tale – na verdade, não seria surpresa se Dark aparecesse em alguma premiação, principalmente no Globo de Ouro.

Dark supera quaisquer expectativas, a série consegue permear entre gêneros secundários sem ao menos perder o seu próprio gênero principal. A ficção científica, neste caso, fica ainda mais rica quando elementos dignos do melhor do mistério e do gênero policial agregaram mais qualidade a sua narrativa. Com uma história complexa e carregada de simbolismos, além do próprio paradoxo que a série é, Dark consegue trazer tudo isso em uma linguagem capaz de se comunicar com o grande público. A fórmula diferenciada do programa e todas as suas particularidades fazem de Dark o melhor lançamento da Netflix em 2017, colocando a série, ainda, no posto de uma das melhores do ano – entre estreantes e veteranas.

Avaliação
Excelente
10
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.