Três Anúncios Para Um Crime

Três Anúncios Para Um Crime é o filme mais robusto, encorpado, forte e pesado desta temporada de premiações. É um filme inquietante, intenso e de qualidade primorosa. Mas acima dessas qualidades, como obra cinematográfica, Três Anúncios Para Um Crime é tão bom quanto no momento em que se propõe a passar algo para o público.

Há duas interpretações, principais, que se pode tirar do longa de Martin McDonagh: a primeira é ver que o filme é sobre uma mãe revoltada, que recorre a atos extremos para fazer a polícia encontrar alguma resposta sobre o assassinato da filha; a segunda, é entender que a primeira é apenas a ponta de iceberg (que aqui não se refere a um problema, mas sim as diversas camadas carregadas pelo filme).

Assim, Três Anúncios Para Um Crime traz núcleos que vão além da mãe que perdeu a filha. Aliás, se o longa optasse por não explorar o contexto e em não dar profundidade aos outros personagens, ele seria bastante unidimensional e dificilmente teria o mesmo impacto que atinge o espectador quando se encerra projeção. Com isso, o longa tem o seu primeiro grande mérito em apresentar uma história não só redonda, mas também muito completa – se não fosse, por exemplo, Woody Harrelson e Sam Rockwell não seriam indicados ao Oscar 2018 com louvor.

Frances McDormand é um caso a parte dentro do longa. A atriz interpreta uma personagem difícil, que mantem uma expressão por boa parte do filme, porém, que também entrega mais sentimentos do que o seu rosto consegue dizer. O drama, pesado diga-se de passagem, carregado por Mildred Hayes é sim o carro chefe de todo o roteiro, mas também representa muito do que o filme tenta não só passar como também denunciar.

Três Anúncios Para Um Crime

Três Anúncios Para Um Crime escolhe a pequena sociedade da cidade de Ebbing, Missouri como pano de fundo do seu embate principal. O diálogo do filme como obra para o público toca em diversos temas polêmicos. Um deles é a recorrente discussão da palavra da vítima contra a do agressor – algo citado verbalmente no filme. Indo além, o longa também fala do “fascismo policial” norte-americano, onde os oficiais da lei aparecem como racistas, homofóbicos ou limitados pelas próprias leis que os mesmos devem seguir. Sobretudo, mesmo mostrando tal crítica, Três Anúncios Para Um Crime não evoca apenas os problemas da sociedade comum, mas trata principalmente de como tudo isso cansa o cidadão.

Mildred, a personagem de Frances McDormand, é a cidadã que cansa e resolve não se calar, não fraquejar e acaba agindo, falando, acaba até mesmo se equivocando uma vez ou outra, mas ela é a pessoa que tem a atitude de sair dessa zona de conforto social para tentar, ao menos, mudar esse panorama comum. Dentro disso, o roteiro de Martin McDonagh trabalha também as diferentes facetas dos seus personagens exaltando o lado multidimensional de cada um deles. Bill Willoughby (Woody Harrelson), é um bom exemplo, o personagem enquanto expressa compaixão pelo caso de Mildred e se mostra inquieto com a falta de solução, precisa lutar contra um câncer – e o drama é bem explorado e desenvolvido durante a projeção.

O mesmo se repete com o policial racista e que recorre ao brutal abuso de poder para resolver situações delicadas vivido por Sam Rockwell, Jason Dixon. São personagens ricos, com camadas grossas que merecem um estudo profundo que desdenhe tudo o que eles podem oferecer. Aliás, Rockwell atinge o mesmo nível de Frances McDormand, subvertendo o óbvio (que seria odiar o personagem) por um sentimento quase indescritível.

Três Anúncios Para Um Crime

Martin McDonagh traz todo esse turbilhão de informações e sentimentos com naturalidade. O roteiro é bem desenvolvido, carregado de diálogos imponentes e traz uma linha narrativa agradável e penetrante. Sua direção não fica por menos. Mesmo exaltando o tom de filme independente, McDonagh se inspira nos filmes do velho oeste, com uma ótica contemporânea similar a que David Mackenzie trouxe em 2017 com o ótimo A Qualquer Custo. O trabalho primoroso de Três Anúncios Para Um Crime é ainda reforçado pela trilha sonora que evoca o que o filme está querendo dizer, e pela fotografia que ajuda a compor a intensidade dessa história.

Três Anúncios Para Um Crime tem chances reais de levar a principal estatueta do Oscar 2018, além daquelas que já pode levar por conta de Frances McDormand e Sam Rockwell, mas, contudo, temos aqui o filme mais completo dessa temporada de premiações. Três Anúncios é o mais forte dos principais filmes da também chamada Award Season, seus méritos não são singulares, pois o união do conjunto da obra é o que mais chama a atenção, caracterizando, enfim, o drama forte centrado nos tais três anúncios para um crime não solucionado.

Avaliação
Avaliação: Excelente
10
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.