Desde os primeiros adiamentos de Duna, por causa da pandemia, o diretor Denis Villeneuve deu entrevistas com falas problemáticas para defender o lançamento exclusivo do filme nos cinemas. As falas do cineasta são difíceis de digerir, mas ao assistir a obra na tela grande é possível entender os motivos de Villeneuve defender com tanto fervor a exibição de Duna na telona.

O filme fala por si só e traz as melhores qualidades das produções de Villeneuve (Blade Runner 2049, A Chegada, Sicário: Terra de Ninguém, Os Suspeitos). A escala é gigantesca, as cores e o design são impressionantes, sobretudo no traço e aspecto orgânico de elementos tecnológicos. A trilha de Hans Zimmer contribui muito para a construção de climas e atmosferas que embalam a narrativa. Assim como os outros longas-metragens do diretor franco-canadense, Duna é uma experiência cinematográfica em seu significado mais genuíno.

A história que adapta a clássica obra homônima escrita por Frank Herbert segue também dois estilos canônicos de narrativas. Duna traz em Paul Atreides (Thimothée Chalamet) o seu herói predestinado e o molde tradicional da disputa por riqueza e poder da intriga palaciana. Nas entrelinhas, há uma leitura importante sobre meio ambiente, concentração de riqueza, desigualdade e acúmulo de poder – algo sutil no filme, mas muito presente no material original de Herbert.

Nos últimos anos, Denis Villeneuve tem se tornado especialista em fazer blockbusters com grandes estrelas e alto investimento. Seus projetos sempre figuram entre os mais aguardados do ano e correm com chances de conquistar prêmios importantes durante a temporada de premiações. Duna chega com este status, não por causa do histórico do diretor, mas porque é imponente e concebido de uma forma que pouquíssimos filmes conseguem ser na era do CGI.

Timothée Chalamet como Paul Atreides em cena do filme ‘Duna’. | Imagem: Divulgação/Warner Bros.

Os blockbusters de Villeneuve, no entanto, têm um diferencial importante: ao mesmo tempo que podem entregar entretenimento (explosões, lutas, etc), também são muito artísticos e subjetivos. Depois que passam as vinhetas de abertura dos estúdios envolvidos na realização da obra, tudo o que aparece em Duna é muito expressivo, detalhado e feito com excelência. É um filme cheio de texturas que conversam diretamente com a identidade de cada local, de cada povo e planeta projetados em tela.

O que Villeneuve traz, com o trabalho de setores como o de figurino, maquiagem e design de produção é grandioso, mas não só pelo tamanho e sim porque a história original é assim. A essência das páginas de Duna está na tela, os pequenos detalhes da percepção de Paul Atreides, as minúcias do contexto político do Imperium, a fome de poder e riqueza dos Harkonnen e outros pequenos detalhes que compõe o universo idealizado por Frank Herbert.

Duna, como obra literária, parecia clamar por uma adaptação com os aparatos dos dias atuais. Talvez, no contexto de hoje, dificilmente um diretor faria tal trabalho tão bem quanto Villeneuve. O cineasta contou com nomes de qualidade, principalmente atrás das câmeras, para concretizar a realização do filme. Eric Roth, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por Forrest Gump; Greig Fraser, diretor de fotografia de The Batman e Rogue One: Uma História Star Wars; Patrice Vermete, parceiro de longa data de Villeneuve e responsável pelo design de produção dos principais filmes do diretor, enfim.

Seja atrás das lentes ou na frente delas, não faltou qualidade envolvida com o projeto. Duna é um épico que retoma uma experiência apaixonante de um cinema muito semelhante ao de O Senhor dos Anéis. A obra resgata o prazer de assistir uma boa história e o envolvimento de aguardar por sua continuação. A experiência dentro da sala é completamente imersiva, mas depois de sair da poltrona o filme permanece cativando e conquistando o espectador.

A espeçaria nas areias de Arrakis em cena de ‘Duna’. | Imagem: Divulgação/Warner Bros.

Duna é o trabalho menos emocional de Denis Villeneuve, ao mesmo tempo em que é um dos mais políticos – afinal, a obra original também é assim. Ritmado desde o primeiro minuto, embora se atropele um pouco na arrancada, o longa não poupa esforços para mostrar imponência. O roteiro, inclusive, opta por momentos grandiosos antes do clímax e deixa para o final cenas muito mais simbólicas e importantes para fundamentar o universo de Duna no cinema.

Pensado para ser contado em duas partes, Duna se basta como primeiro longa e deixa o caminho aberto para a sequência quando decide que chegou aonde queria. Embora o final tenha causado controvérsia, o encerramento da parte um da imersão consegue deixar apenas a vontade de assistir o próximo filme. Algumas das obras mais grandiosas e perpetuadas pela história da sétima arte já fizeram isso. Mas talvez seja audacioso demais terminar um filme de forma aberta em tempos em que as séries chegam com todos os episódios e trilogias são lançadas em três semanas. No fim, a interpretação é individual.

Há, no roteiro, decisões pontuais que não foram as melhores. Na clara tentativa de surpreender o espectador, alguns fatos tiveram rumos distintos da obra original. Aliás, não há problema na alteração, mas ao bem da verdade, em tela, não foram as melhores escolhas. O mesmo se repete em diálogos, bem específicos, que soam genéricos para algo que até então pareciam refinados.

Duna é exatamente aquilo que demonstrava em suas prévias: um filme grandioso; uma produção do mais alto nível; é composto por uma estética ímpar, com detalhes que valorizam a construção de um universo único; apresenta personagens interessantes e cativantes que conquistam o espectador com facilidade; é acompanhado de um elenco que compreende muito bem as figuras da história e que mostra um envolvimento muito grande com o projeto. É uma adaptação de um clássico contando uma história nos moldes canônicos das obras mais épicas de fantasia e ficção científica.

O cinema está voltando aos poucos, assim como o mundo, e Duna é um passo gigante para a concretização deste retorno. Não é apenas o voltar por voltar, mas é o resgate de uma experiência cinematográfica marcante, que fica impregnada nos pensamentos causando tudo o que de melhor um filme pode fazer com a mente e o coração de um bom cinéfilo.

Avaliação
Ótimo
9.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.