O novo trabalho do diretor Paul Thomas Anderson traz de volta um tema abordado por ele em Trama Fantasma (2017): relacionamento. Se na história protagonizada por Daniel Day-Lewis o complemento era a toxidade entre Reynolds Woodcock e Alma (Vicky Krieps), em Licorice Pizza trata-se de uma paixão inviável entre um adolescente de 15 anos e uma mulher de 25.

Gary Valentine (Cooper Hoffman) estava na fila para tirar a foto do anuário da escola. Alana Kane é uma das funcionárias da produtora dos retratos e passava pelos alunos oferecendo um pente e um espelho, para que os estudantes pudessem dar os últimos retoques no penteado. O garoto de 15 anos, que é um ator mirim e empreendedor, é cheio de confiança e aborda a jovem mulher frustrada com o que a vida lhe deu até o momento (Alana mora com os pais, religiosos, e com as irmãs mais velhas, além de ter um emprego que está longe de ser o ideal).

A conexão entre os dois é instantânea, com Gary convidando Alana para sair, e ela resistindo. Licorice Pizza é a estreia dos intérpretes dos personagens em longa-metragem. Cooper Hoffman tem a atuação no DNA, já que o pai, Philip Seymour Hoffman, era um colaborador dos filmes de Anderson. Alana, se você não conhecia, é uma das integrantes do trio HAIM, formado com as suas outras duas irmãs. Inclusive, alguns clipes da banda já foram dirigidos por Paul Thomas Anderson.

Com isso, se por um lado há uma conexão genuína entre os personagens, de outra está a química espontânea entre Hoffmann e Haim, ambos com entrega e dedicação visíveis em tela.

A ideia de Paul Thomas Anderson era de ambientar histórias de pessoas que conviveram com ele na década de 1970, na cidade de San Fernando – localizada no condado de Los Angeles. Com isso, ele cria o Licorice Pizza – que é também o nome de uma famosa loja de discos da época, além de fazer analogia ao material dos colchões d’água vendidos por Gary, cujo material vinha do vinil (LP, ou Licorice Pizza, como era a gíria naquele tempo).

Alana Haim (esquerda) e Cooper Hoffman (direita) em cena do filme ‘Licorice Pizza’. | Crédito: Divulgação / Universal Pictures.

As histórias de Paul Thomas Anderson não costumam seguir a fórmula de início, meio e fim. O cineasta gosta da imprevisibilidade de trazer às telas um recorte da vida de seus personagens. É claro que mesmo não seguindo o modelo tradicional das narrativas, fica muito evidente o que justifica o que é criado pelo diretor neste filme.

Licorice Pizza é, em essência, um drama adolescente, mas não necessariamente um coming of age (que costuma abordar o amadurecimento da transição entre adolescência e a vida adulta). Isso se comprova quando Gary e Alana têm o foco alternado no protagonismo. Há cenas em que Anderson assume o ponto de vista de Alana, e em outros momentos Gary se torna o centro de tudo.

É engraçado, porém, que da mesma forma que Trama Fantasma não questionava os problemas da relação entre Reynolds e Alma, Licorice Pizza não se interessa em debater se um namoro entre um garoto de 15 anos e uma mulher de 25 é certo ou errado. Não que deva fazê-lo, mas abster-se disso é deixar nas mãos do público a decisão. É importante frisar, no entanto, que mesmo não problematizando a questão, o filme faz menções ao assunto, mas tende a ignorá-las posteriormente.

O que Licorice Pizza faz, na verdade, é mostrar profundamente esses personagens. O filme desenvolve as camadas de cada um. Em tela, o espectador conseguirá ver seus anseios, desejos, desgostos, medo e afins. O trato com Gary e Alana é muito cuidadoso e delicado, quase como se o diretor tratasse os personagens com carinho.

Além disso, uma das intenções de Anderson é retratar o local onde esses personagens vivem. Os bairros pacatos de casas idênticas, a rotina dos trabalhadores, os perigos das ruas e da noite, os absurdos sociais entre outros fatos.

A história de Licorice Pizza é o centro da projeção, mas a técnica dos filmes de Paul Thomas Anderson também marca presença. Desde as cores quentes do verão até a trilha sonora que embala e dá ritmo a narrativa. Porém, é preciso dizer: de certo ponto em diante, o verão de San Fernando parece não ter fim.

Filme de Paul Thomas Anderson recebeu três indicações ao Oscar 2022: Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original. | Crédito: Divulgação / Universal Pictures.

Ao mesmo tempo em que se procura sentido para justificar a existência dessa história, é difícil encontrar um momento oportuno para finalizá-la. Anderson encerra o seu filme no momento mais óbvio e com o acontecimento mais previsível que poderia escolher. Não que tivesse a obrigação de surpreender, mas talvez o cineasta tenha perdido o controle da corda que estava esticando.

Licorice Pizza é um filme que irá compor a filmografia de Paul Thomas Anderson para sempre, por óbvio, mas talvez não seja o tipo de trabalho que marque a sua carreira. Enquanto muitos gostam e aclamam, outros não compram a ideia e a sua proposta, assim como alguns podem não ver muita graça.

O resumo é que Licorice Pizza é um filme que quando termina não necessariamente se fará presente depois da sessão. Pode voltar a cabeça vez ou outra, mas mostra que Anderson já teve trabalhos mais marcantes e presentes. Como o próprio Trama Fantasma, citado outras vezes neste texto. Mesmo assim, o Licorice é leve, um pouco desgastante, e até mesmo despreocupado.

Avaliação
Bom
7.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.