A arte de fazer cinema é um desejo para muitos, mas produções executadas de forma primorosa é uma façanha para poucos. Bem abaixo da linha dos grandes nomes de Hollywood, existe um homem responsável por assinar, com seu brio e coragem, obras que ficariam muito aquém do que se considera ruim. Este homem é Edward Davis Wood Jr., reputado como o pior diretor de todos os tempos e um símbolo de excentricidade e perseverança dentro da história do cinema. Os bastidores da carreira deste eterno aspirante serão apresentados hoje na Sessão P&B, através de um cativante filme metalinguístico e biográfico dirigido por Tim Burton em 1994, intitulado Ed Wood.
Johnny Depp é responsável por reviver Ed Wood e interpretar toda paixão que o cineasta nutria pelas produções cinematográficas, um sentimento tão vasto que seria equivalente à falta de competência que o mesmo tinha para executar os próprios projetos. O filme de Burton apresenta o mirabolante processo de criação de três desastrosas obras de Wood: Glen ou Glenda? (Glen or Glenda? – 1953), A Noiva do Monstro (Bride of the Monster – 1955) e Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space – 1956). Tais obras eram marcadas pelo erotismo, ficção científica e terror trash, limitadas a um baixo orçamento e produzidas sob o restrito conhecimento técnico do insólito diretor. O resultado não poderia ser diferente de filmes desestruturados, fragmentados com filmagens reaproveitadas, além de apresentar efeitos especiais claramente fajutos e erros grotescos nas sequências de cenas. Não obstante, “Glen ou Glenda?” foi responsável ainda por revelar outro exotismo de Ed: sua mania e deleite em usar roupas femininas.
Um interessante fato histórico da carreira de Wood, retratado com certa prioridade no filme de Burton, é a relação que o artista cultivou com Béla Lugosi, ator admiravelmente conhecido por incorporar o vampiro clássico de Bram Stoker nas telonas da década de 30, Drácula (1931). Na trama, Lugosi é representado por Martin Landau que traduziu de forma excepcional o ator, antes aclamado e reconhecido, em uma melancólica desmotivação existencial, além de expor de forma tocante o drama vivido por Lugosi devido ao vício em doses de morfina. Merecidamente, este papel concedeu a Landau o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1995 – junto ao Globo de Ouro e o Prêmio do Sindicato dos Atores na mesma categoria.
A relação entre os dois personagens é moldada de forma envolvente, sendo visível o fortalecimento do vínculo entre Béla e Wood no campo profissional e fora dos estúdios. Johnny Depp não deixa a desejar em sua interpretação ao colocar em seus gestos e trejeitos toda a admiração que Wood mantinha pelo clássico ator, o qual para muitos já estava morto, mas, para o protagonista, continuava sendo um grande mestre da sétima arte. Não à toa, Ed Wood foi o último diretor para o qual Béla Lugosi atuou. Além disso, é possível tangenciar que este encontro de gerações evidencia uma máxima do cenário Hollywoodiano: A fama é passageira. Wood é a personificação da dificuldade em ser reconhecido, enquanto o antigo Drácula é um retrato da facilidade de ser esquecido neste império audiovisual onde, segundo ele: “chupam seu sangue e cospem o bagaço”.
Apesar de retratar a embaraçada carreira de Ed Wood de forma um tanto vexatória -tal qual ela deve ter sido-, Burton carimba no protagonista sua famosa marca do personagem atípico, sempre excêntrico e demasiadamente cativante, exibindo uma excepcional homenagem ao cinema independente que, acima de todas as limitações, não deixa de escrever e executar as próprias premissas.
Vale a pena conferir esta importante obra da carreira de Tim Burton, a qual poderia ser facilmente considerada um espelho de sua própria trajetória, se esta não fosse salva por sua excentricidade alinhada ao seu talento próprio, um ingrediente que faltava para Ed Wood. No entanto, é importante considerar a genuína lição ensinada por este herói que, apesar da miopia em reconhecer sua falta de talento, trazia o brilho no olho de quem realiza algo significativo e um otimismo fora do comum encarregado de transformá-lo em um grande sonhador, acreditando que o próximo filme seria, dentre todos, o melhor.