Imagem: Divulgação/Warner Bros.
Imagem: Divulgação/Warner Bros.

Seria fácil apresentar um parágrafo cheio de adjetivos capazes de contemplar a qualidade It – A Coisa, desde a personalidade da adaptação até os seus momentos mais aterrorizantes. Mas mesmo assim pode ser difícil definir o filme apenas com adjetivos, principalmente quando o mesmo faz jus ao subtítulo da primeira adaptação, “Uma Obra-prima do Medo“.

It – A Coisa é sem dúvida um dos melhores filmes de terror dessa década, além de ter lugar certo em uma vindoura lista de melhores do ano. A adaptação, comandada com maestria por Andrés Muschietti, é um poço de referências aos anos 80, o que já era esperado por todos aqueles que consumiram trailers e TV spots. Além de ser natural que uma adaptação de Stephen King faça diversas auto referências ao autor e a própria década.

O filme, porém, não pode ser resumido apenas como terror. Em It – A Coisa há mais gêneros sobressalentes, todos, inclusive, muito bem combinados pelo diretor. Essa mescla funciona perfeitamente durante todo o longa, desde os momentos “Conta Comigo” e “Carrie – A Estranha” à ambientação clássica do cinema de horror oitentista – que não se contenta em demonstrar inspiração apenas nas obras de King, remetendo até mesmo A Hora do Pesadelo.

Apesar de chamarem a atenção, as referências não são os únicos méritos do filme, na verdade a lista de acertos poderia facilmente preencher um longo rolo de papel, com “N” motivos e explicações que justificam a qualidade do filme. É interessante, neste caso, que mesmo repleto de referências, It – A Coisa ainda consegue ter muita personalidade, o que evita qualquer tipo de comparação, ou seja, homenagens, referências e inspirações não o impedem de ser original, ter vida e voz própria. E é por conta disso que a junção dessas homenagens é apenas um complemento que agrega ainda mais nostalgia ao filme.

Mas nem só de referências vive o longa de Andrés Muschietti. O diretor, que já se demonstrou habilidoso em Mama (2013), supera as expectativas, que já eram altas em torno do filme. Muschietti é seguro no que está fazendo e apresenta completo domínio sobre a história, contando-a da melhor maneira possível – e não há elogio melhor do que este. Prova disso, é o fato, irrefutável, de que It – A Coisa não deve nenhuma explicação ao seu público, assim aproveitando perfeitamente a sua longa duração – cerca de 2h e 15 min – para desenvolver história e personagens, seja individualmente ou como o Clube dos Perdedores como um todo. Seria fácil o diretor cair em rodeios de explicar o porquê de tudo aquilo estar acontecendo, mas o roteiro se demonstra mais inteligente do que isso e não usa desse vício preguiçoso de justificar tudo o que acontece no filme antes do embate final com o palhaço.

Ao contrário disso, It – A Coisa dá tempo para os seus personagens, e o grupo de crianças, independente da quantidade de espaço de cada um no filme, segura as pontas do início ao fim. O elenco “mirim” é talentoso e não demora mais do que 20 minutos para conquistar aqueles que estão assistindo, seja pela simpatia ou pela empatia, afinal é impossível não se identificar com a ambientação escolar e a época das férias de verão em que o filme se passa. Aliás, a censura (no Brasil para maiores de 16 anos) ajuda muito neste processo, tornando os jovens e os seus diálogos mais reais do que banais, e isso torna fácil a familiarização do público com a história – principalmente para aqueles que viveram nos anos 80.

Pennywise rouba a cena, Bill Skarsgård é um show à parte no filme todo. A caracterização do personagem não passa apenas por cabelo, maquiagem e figurino. A composição do palhaço ainda está na voz, cheia de personalidade e loucura, e também em toda a expressão física que faz o personagem ser caricato na medida certa, mas principalmente muito mais assustador e doentio do que se poderia esperar. Pennywise ainda é muito bem escrito pelo roteiro, ele assume a forma do maior medo das crianças que ele resolve atormentar, sem a necessidade de uma explicação lógica, pelo simples motivo de que entrar nas absurdas loucuras do filme é muito mais sedutor do que tentar compreendê-las ou justificá-las, sem dúvidas um dos maiores acertos de It – A Coisa.

A jornada dos personagens, é claro, tem um “Q” de heroísmo, mas tudo muito bem justificado e compreensível, pois mesmo que Pennywise seja o monstro, os adultos também podem ser inimigos. It – A Coisa, inclusive, trata muito bem dos adultos, mas já que o foco total é o grupo de crianças, os mais velhos aparecem apenas quando necessário, mostrando que o jovem elenco tem “bala na agulha” para sustentar a história – além de tornar o clima mais tenso e menos propenso a tradicional burrice da maioria dos adultos, já tradicional em filmes de terror.

Competente como terror e como nostalgia oitentista, It ainda é uma história pesada e cruel, mas tudo na medida certa. O longa aborda assuntos pesados como o bullying violento dos valentões, ou como a menina, Beverly (Sophia Lillis), que era molestada pelo pai. Mesmo com assuntos de peso e trazendo cenas aterrorizantes, It – A Coisa não abre mão de ser um filme sobre amizade, companheirismo e coragem para superar as próprias limitações, e isso torna a história ainda mais envolvente. Não se trata, então, apenas de uma jornada aterrorizante, o medo está ali e torna esses personagens vulneráveis ao mesmo tempo que eles precisam lutar contra aquilo que temem. 

O roteiro não é perfeito, mas ao mesmo tempo não apresenta problemas. Na verdade há momentos de pura inteligência, que conseguem, inclusive, manipular aqueles que estão mais compenetrados na história. Indo além, o filme não engana, e mesmo que espectador consiga antecipar os momentos mais aterrorizantes, o longa ainda surpreende ao superar a expectativa criada nesses momentos de antecipação do terror.

It é tão viajante que se torna sedutor, suas paranoias não soam estranhas em nenhum momento, e ao bem da verdade esse estranhamento é muito bem-vindo – assim como o convite para flutuar junto a essa história. É engraçado, também, que a primeira hora de filme vai de momentos puros da adolescência aos picos mais assustadores, enquanto o filme apenas provocava o espectador poderá aguentar tudo o que está vindo logo adiante.

É inegável que It – A Coisa é um dos melhores filmes do gênero em muitos anos, mas é impressionante a capacidade que Muschietti apresenta em fazer um filme de cenas e diálogos emblemáticos, há Coisas aqui que são impossíveis de esquecer. Além de tudo isso, It ainda demonstra chances enormes de ser lembrado por muitos anos, mas existem Coisas que só o tempo pode confirmar.

Até que isso aconteça, It – A Coisa é o tipo de filme que precisa ser visto mais de uma vez. O longa é acessível e complexo nas mesmas proporções, e isso se deve aos méritos do roteiro ao mostrar muito mais do que os olhos possam ver e indo além daquilo que se possa interpretar. Existem camadas que precisam ser desvendadas, e se tudo isso não é real o suficiente para fazer de It – A Coisa um filme aterrorizante e excelente, é só assistir e confirmar – e é claro, quem não tem medo de palhaço que se prepare, pois vai ter.

Avaliação

[yasr_overall_rating size=”medium”] (Excelente)