Imagem: Divulgação/Paramount Pictures
Imagem: Divulgação/Paramount Pictures

Entender o que Darren Aronofsky quer apresentar neste filme talvez não seja a questão principal de Mãe!. Talvez, o cineasta queira provocar a compreensão de um público muito pequeno, que ainda admira o cinema como arte e linguagem. Na verdade, Mãe! provoca um misto de sentimentos durante suas duas horas de duração, e isso independe se o resultado final é uma relação de amor ou de ódio com o filme.

No começo tudo parece simples: um casal aparentemente apaixonado vive feliz e satisfeito em sua casa longe da civilização, quando começam a receber visitas indesejadas que causam desconforto e torturam na personagem de Jennifer Lawrence. Até aí é possível ter total entendimento do que está acontecendo, porém, a questão mais pertinente que ocorre durante a projeção não se trata do que Mãe! realmente é, mas sim o que ele quer dizer.

A carreira de Aronofsky, com exceção de Noé (2014), é marcada por filmes densos, pouco diluídos, mas cheios de metáforas, metalinguagens e simbolismos, e Mãe! carrega tudo isso junto a assinatura visual do diretor. No entanto, Aronofsky não apenas dá ao filme as suas principais características visuais (a câmera instável e provocativa que persegue a protagonista), o diretor constrói um ambiente sufocante, intimista e íntimo onde se passa a história (tudo o que é mostrado na projeção acontece dentro da casa do casal). Inicialmente isso pouco parece importante, mas no fim é possível entender o motivo dessa escolha.

A provocação maior ainda pode ser encontrada nas críticas sociais que o diretor evoca na sua nova investida, é tudo muito exagerado em cena, mas são detalhes minuciosos que revelam o que está nas entrelinhas de Mãe!. Dentro disso, o cineasta constrói com extrema sabedoria a personagem de Jennifer Lawrence, que pode ser facilmente interpretada como a representante do público dentro do longa. É como colocar uma pessoa normal em um sonho surreal que não lhe pertence.

Imagem: Divulgação/Paramount Pictures

O público, por incrível que pareça, desempenha um papel importante dentro da trama. Mãe! apresenta seus personagens de forma curiosa ao não dar nome a nenhum deles, o que instiga o espectador a querer conhecer aqueles que aparecem na tela grande. Ao mesmo tempo, isso força a empatia do público com a própria protagonista, pois assim como o espectador, a “mãe” vê e vive tudo aquilo que está acontecendo, mas pouco consegue entender do que realmente se passa por ali.

É aí, então, que entra o que é o principal papel de Mãe!: provocar o público a compreender o que o filme realmente quer dizer. Apesar disso, mesmo para os olhos e mentes mais atentos, as interpretações podem ser diversas, desde achar que a história mostra a invasão de privacidade, ou o endeusamento de um ser humano igual a qualquer outro. Ou, até mesmo, as duas interpretações podem estar certas, mas fato é que Mãe! não é o tipo de filme que se assiste apenas uma vez. É aquela história feita para evocar diversas interpretações, quando no fim, tudo pode se tratar de algo muito mais simples.

O fato é que Mãe! está no cerne do seu diretor e também roteirista, afinal, se fosse para fazer uma história qualquer, Aronofsky teria vários Noé(s) em sua carreira. Ao contrário disso, o diretor que assina também Réquiem Para Um Sonho (200), Cisne Negro (2010) e O Lutador (2008) apresenta o que pode ser o seu filme mais maduro e bem resolvido. A piração de Mãe! não tem a intenção de fazer com que a sua mente a aceite ou que se sujeite a ser manipulada, como é em Cisne Negro. A intenção do filme é criar a dúvida, é deixar a pulga atrás da orelha até que se perceba que, só talvez, não seja possível entender o que ali se passa, quando a “solução” é de apenas tentar compreender.

Imagem: Divulgação/Paramount Pictures

Mãe! é o tipo de história que requer atenção, e mesmo que atento, isso talvez não ajude muito a entender o filme. Enquanto tudo isso acontece, Lawrence e Javier Bardem dão aula em cena. Ela, ao contrário dele, tem o papel mais difícil da carreira, uma personagem instável, com camadas densas e que precisa convencer o público que existe muito mais do que parece dentro daquela mulher. Ele, no entanto, é cínico, ao mesmo tempo em que precisa tentar ser verdadeiro. É uma mistura de conceitos e camadas que agregam muito valor a ambas interpretações. Junto a eles, Ed Harris e Michelle Pfeiffer não ficam por menos e conseguem protagonizar cenas difíceis de descrever, mas não menos incríveis do que deveriam ser. Não será espanto se o quarteto pintar no Oscar 2018.

Mãe! é um filme feito para incomodar, causar inquietação, curiosidade e diversas reflexões. Em tempos onde a representatividade ganha cada vez mais notoriedade, Mãe!, por méritos de Aronofsky, levanta questionamentos de um relacionamento desproporcional de forma orgânica, não fazendo isso pela audiência. Ao contrário disso, o longa acerta ativar os seus gatilhos para a reflexão do público por fazer deles partes importantes da sua história, ou elementos preciosos de sua mensagem.

Fato é que Mãe! é um dos melhores filmes estilo “mindfuck” em muitos anos, para quem fez Réquiem Por Um Sonho, Mãe! corresponde ao mesmo nível de complexidade, ao mesmo tempo que se faz totalmente receptivo a qualquer interpretação que possa provocar. Aronofsky acerta principalmente em colocar a cara a tapa, em se sujeitar a ter o ódio ou a decepção de um público que talvez não esteja preparado para compreender o seu trabalho, ao mesmo tempo em que agrada aqueles que gostam de ter as suas mentes desafiadas.

Mãe!, no fim de tudo, pode não ser aquilo que realmente achamos que ele é, na verdade ele pode ser qualquer “coisa“, desde a história de um casal amaldiçoado, ou até mesmo sobre uma casa encantada onde tudo acontece e se repete. Mãe!, enfim, consegue fazer com que toda a sua piração e sua violência brutal sejam aceitáveis como pura realidade.

Avaliação

[yasr_overall_rating size=”medium”] (Excelente)