Quanto mais desenvolve a sua história, mais deslocada ela fica

Michael Fassbender no filme Boneco de Neve

Boneco de Neve é um suspense policial moldado a moda antiga, que tenta efusivamente construir uma narrativa complexa afim de mascarar a verdade do espectador, dando-lhe a chance de se surpreender com a resolução final. A direção expõe com facilidade a intenção, mas o roteiro não contém aquilo que é preciso para realizar tal feito.

Michael Fassbender (Assassin’s Creed, X-Men: Apocalipse) e Rebecca Ferguson (Vida, A Garota no Trem) conduzem a história por boa parte do filme. Ele vive um inspetor renomado, que nos dias atuais nada mais é que um bêbado. Ela, uma jovem investigadora, astuta e bem intencionada, com fome de resolver o seu primeiro caso. São clichês que constroem a base da trama, e deixam tudo sólido para que a história possa ser iniciada. Boneco de Neve segue a risca o que é padrão de um serial killer, dando um estilo chamativo de assassinato e um “boneco de neve” como um aviso de “estive por aqui”.

Se fosse só por isso e pela construção do suspense em cima do assassino, Boneco de Neve facilmente teria funcionado. O problema é o miolo da história que aos poucos começa a desmistificá-lo. Enquanto de um lado há um serial killer e um mistério promissor quanto a sua identidade sendo desenvolvido, de outro motivações pessoais deixam os objetivos de Katrine (Ferguson) mais claros. Até então, tudo faz sentido, se não houvesse o personagem vivido por Michael Fassbender, um protagonista que está deslocado dentro do que deveria ser a sua própria história.

A motivação do assassino em “procurar” o inspetor Harry Hole (Fassbender) em momento algum se justifica – nem mesmo quando todas as cartas do filme são postas na mesa. Boneco de Neve faz questão de deixar claro que a presença de Hole acontece apenas para suprir a falta de inteligência de Katrine, envolvida pessoalmente no caso. Ou, uma outra opção, é que só Hole seria capaz de solucionar o caso – porém, o filme não dá indícios que façam o espectador acreditar e confiar nisso.

A dinâmica entre a dupla de policiais funciona, mas não é algo que faça Boneco de Neve se encher de orgulho. A história é capenga, desenvolve e abandona arcos muito mais interessantes que a trama principal, que vai perdendo força no terceiro ato quando tudo é revelado. No entanto, dentro contexto e ponto de vista de Katrine, Boneco de Neve faria ainda mais sentido se fosse um filme particular e focado apenas nesse enredo.

Rebecca Ferguson no filme Boneco de NeveTomas Alfredson dirige bem o longa, mas não há nada que ele possa fazer a respeito do roteiro fraco e dos desdobramentos desanimadores do filme. A construção do suspense feita pelo diretor é o único ponto que deixa a história interessante, já que o mesmo se propõe a exibir o assassino como um mito misterioso – aliás, é o mínimo que se poderia esperar, pois há 9 anos o diretor levava aos cinemas o ótimo Deixa Ela Entrar que pouco tempo depois ganhou uma versão norte-americana comandada por Matt Reeves. Alfredson, junto com Dion Beede (diretor de fotografia), consegue uma ambientação que conversa tanto com a atmosfera local (uma paisagem monótona e cheia de neve) com o ritmo lento do filme – que normalmente não seria um problema, caso a história fosse boa.

Boneco de Neve é inicialmente interessante fazendo trama, ambientação, personagens e fotografia conversarem entre si. Enquanto o desenvolvimento mostra e expande a história, o material que chega aos cinemas acaba se perdendo e deslocando o que havia construído de bom. Assim, a adaptação se mostra incapaz de trabalhar os núcleos que compõe Boneco de Neve, onde pouco daquilo que aparece em cena é realmente justificável e plausível para o que é mais importante no filme.

Avaliação

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