Bastam apenas alguns minutos para perceber que Blade Runner: O Caçador de Androides (1982) e até mesmo o recente Blade Runner 2049 são as grandes influências de Altered Carbon. Ao longo dos outros episódios também pode-se notar que o conceito do ghost aplicado no mangá The Ghost in the Shell é a segunda maior influência da nova série da Netflix. Logo, beber em duas das fontes mais influência das ficções científicas cyberpunk mostra o quão audaciosa Altered Carbon poderia ser.

No primeiro episódio, Altered Carbon consegue situar o seu espectador neste novo universo, apresentando o ex-emissário Takesh Kovacs e mostrando como ele foi capturado e reacordado 250 anos depois para solucionar o assassinato de Laurens Brancroft (James Purefoy). Até então, seguindo essa linha narrativa até a metade da sua temporada, Altered Carbon funciona. Dentro disso, existe a construção de um clima de investigação noir eficiente nos primeiros episódios, sendo combinado com a estética cyberpunk completamente influenciada por Blade Runner – uma cidade chuvosa, uma sociedade em decadência, um misto de tecnologia avançada com uma vida analógica retrógrada, prédios enormes, carros voadores, luzes neon e uma mistura cultural -.

Tudo isso é muito evocativo e reacende a esperança de que Altered Carbon entregue algo acima da média – o marketing, pelo menos, vendeu isso. As fragilidades do roteiro, entretanto, ficam evidentes a cada episódio, onde a série alterna entre esquecer da trama principal (que seria resolver o assassinato de Brancroft) com apenas não fazer nada. Altered Carbon, ainda assim, consegue inserir elementos interessantes na sua narrativa. As reflexões sobre as capas e os cartuchos FHD, sobre a morte não ser mais uma opção e de outras questões relacionadas a evolução tecnológica desse universo foram todas colocadas na mesa, mas por ali ficaram.

Altered Carbon mostra que essas reflexões, e muitas outras, existem dentro da série, mas não demonstra vontade de colocá-las em prática. Qualquer questionamento ou aprofundamento de questões filosóficas relacionadas aos conceitos da série são apenas jogados na tela para o público, mostrando que em nenhum momento elas são prioridade para a série.

A decepção torna-se ainda mais significativa quando o seriado faz questão de prestar homenagens visuais as suas maiores inspirações: Blade Runner e The Ghost in the Shell. Há frames em que a série produz praticamente uma colagem das suas fontes de inspiração, contudo, se influenciar em obras tão renomadas não foi de grande serventia para a série de Leata Kalogridis. É claro que, enquanto as reflexões ficaram de lado, Altered Carbon conseguiu fazer essas influências valerem a pena visualmente. O destaque visual não fica apenas por conta da estética e do design de produção, mas também na iluminação e na fotografia, que no início da temporada são muito bem utilizadas e ainda servem de simbolismo para a história.

Apesar das falhas na narrativa, embaladas pelo roteiro raso, Altered Carbon, mesmo deixando suas influências claras para o espectador, consegue ser visualmente autêntica. Ainda assim, evidenciando sempre a fonte em que bebeu, a série consegue transformar essa estética em algo próprio do seu universo, sem parecer que está apenas copiando sem fazer igual de algum outro lugar.

Para combinar com o roteiro fraco, as atuações não se sobressaem. Joel Kinnaman, que vive o protagonista em sua capa atual, não sustenta o drama do personagem e apresenta apenas uma interpretação mecânica. Martha Higareda, no entanto, tenta fugir disso, mas cai no estereótipo básico do personagem latino – Kristin Ortega, sua personagem, é responsável por trazer algumas das poucas reflexões que série consegue levantar. O restante do elenco, independente do espaço de tela, acaba sendo bastante blasè.

Os diálogos também acompanham a precariedade narrativa da série, quando não são expositivos demais, acabam sendo bobos, descartáveis ou óbvios demais. O mesmo se aplica nas narrações e nos cansativos flashbacks. Sem esses dois elementos a série talvez não se sustentasse tanto, mas o roteiro não trabalha com isso de forma orgânica, então, mesmo representando um papel importante na narrativa, os flashbacks não conseguem ser atraentes como deveriam.

Altered Carbon chega imponente, apresentando um universo vasto, mas pouco explorado pelo roteiro. Este, além de bastante vazio, traz diálogos ruins e previsíveis que tiram qualquer chance de impacto que a série poderia causar. Contudo, se por um lado as reflexões filosóficas são fracas e onipresentes, a ação pode até ser empolgante  e atraente em alguns momentos (o final do sexto episódio é o seu ápice), fazendo valer a pena a insistência do espectador em assistir todos os dez episódios.

Sem surpresas em suas resoluções, Altered Carbon não tem peso, muito menos impacto, não diverte e nem impressiona, mas faz o tempo passar com a sua violência não gratuita. A história, que no início era interessante e trazia uma boa investigação, se perde com facilidade, muda o seu foco e se justifica com uma motivação páfia. A segunda metade da temporada (exclusivamente os últimos três episódios) é mais fraca que anterior, e demonstra com toda a sua força a preguiça do roteiro em ser mais inventivo. Autoexplicativa em excesso (se expondo, às vezes, de forma vergonhosa), Altered Carbon se resume a um entretenimento problemático coberto por uma bela embalagem.

Avaliação
Avaliação: Fraco
5.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.