Série Dark da Netflix
Jonas Kahnwald (Louis Hofmann) na terceira temporada de Dark, da Netflix | Imagem: Cortesia / Netflix

Quando começou, Dark explodiu cabeças com uma trama misteriosa de viagem no tempo. No momento em que era possível entender o que estava acontecendo, a história encontrava uma nova maneira de fazer tudo ficar confuso novamente. Na segunda temporada, o seriado foi além, e terminou com o público descobrindo um novo mundo.

Existe, no meio disso, uma importante qualidade em Dark: a de não se prolongar. Nos dias atuais, há uma notável dificuldade em produzir séries concisas, com poucas temporadas. Talvez falte objetivo. Aqui temos, mesmo que entrelaçado, começo, meio e fim. O feito de Dark, para além da técnica e da narrativa, está principalmente em ter apenas três temporadas.

Os últimos oito episódios da série tinham a missão de responder perguntas e encaminhar tudo para o final. Não houve pressa nisso. Dark não perdeu a identidade, e mesmo lançando resoluções ainda deixava novas dúvidas. A história não é irresponsável. Com o avanço da narrativa e a criação de novos questionamentos, o seriado dá aos fãs informações suficientes para que eles possam produzir sentido ao que não aparece nos capítulos finais.

Se a ânsia do público por respostas era enorme, a preocupação de Jantje Friese (showrunner da série) praticamente não existia. Nas temporadas anteriores, Dark entregava resoluções e deixava outras perguntas, por quê agora seria diferente? Talvez, dar subsídios para o imagético dos fãs seja um dos seus principais legados, afinal foi assim desde o começo. Assim, torna-se possível um final coeso e com detalhes em aberto. As peças foram colocadas em lugares que podem não ser definitivos.

No todo, Dark pode ou não ser uma obra-prima, mas essa definição é cabível para o genial Deja-vu, o primeiro episódio da temporada final. Em 2017, ano de lançamento da série, aconteceram algumas comparações com Stranger Things. Mesmo que hajam coincidências ou semelhanças pontuais, uma está bem distante da outra. Enquanto a história situada em Hawkins tem um mundo invertido, a outra trouxe a tona uma realidade alternativa espelhada.

Lisa Vicari como Martha Nielsen na terceira temporada de Dark | Crédito: Cortesia / Netflix
Lisa Vicari como Martha Nielsen na terceira temporada de Dark | Crédito: Cortesia / Netflix

No episódio que abre a temporada três, os fãs conhecem um mundo bem parecido com o ambientado anteriormente. A diferença é que tudo está diferente, mas parecido. A sensação de um Deja-vu é a arte pregando uma peça e fazendo entretenimento intelectual. Difícil foi quem não procurou a cada segundo comparar os dois mundos, apontar as suas diferenças e semelhanças. No fim, o começo do terceiro ano de Dark foi um tanto divertido e positivamente incômodo.

A construção de Deja-vu e dessa sensação vai além da mise-en-scène, estando também nos diálogos e em como as cenas foram filmadas. Em Secrets, o primeiro episódio da série, o café da manhã dos Nielsen é visto por um plano-sequência/longo. O que se vê no abre da temporada na nova casa da família também é captado da mesma maneira, a diferença é o que está ali. Esse é apenas um exemplo pequeno de tudo que é visto em Deja-vu, que se empenha em reconstruir o que havia sido mostrado em 2017.

Ao longo da temporada a missão de se explicar não trata apenas de encaixar cada parte no seu devido lugar. Dark sempre flertou com a ciência, e depois de declarar um novo mundo no final de Endings and Beginnings, era de se esperar que o último ano teria a fala científica de novo. Ciente de que o espectador poderia não entender essa linguagem tão técnica, a série não teve medo de ser didática. E soube fazer isso sem passar vergonha.

O acerto nas explicações está principalmente em ajustar esse discurso de forma homogênea dentro deste universo. A cena em questão, que abre o penúltimo episódio – Between the Time – parece como um programa de televisão, ou uma aula. Ela entra exatamente onde deveria, como se o destino ordenasse que aquele era o momento certo. Ou como se a série definisse que a partir dali os espectadores precisavam compreender o terceiro mundo e a existência de três realidades, ou uma.

A série foi categórica ao dar continuidade ao enredo e ao usar de auto referencias para construir paradigmas interessantes na nova temporada. O recurso é utilizado principalmente para apresentar os personagens do segundo mundo. Se houve no começo um grande mistério sobre quem era Noah, agora um personagem tão enigmático quanto aparece em inúmeros momentos. A resposta é peça chave no enredo, e pistas da revelação foram dadas logo no começo.

Louis Hofmann e Lisa Vicari como Jonas e Martha na última temporada de Dark | Crédito: Cortesia / Netflix
Louis Hofmann e Lisa Vicari como Jonas e Martha na última temporada de Dark | Crédito: Cortesia / Netflix

Tudo o que Dark mostra na sua última temporada antecipa algo maior do que o esperado. A narrativa se encaixa tão bem, que muitos fatos anteriores, que já pareciam estabelecidos, acabam ganhando um verdadeiro significado. A partir disso, a série se encaminha para o fim e os dois últimos episódios criam essa nova atmosfera. Enquanto Light and Shadow (sexto capítulo) termina com tudo ainda mais confuso, Between the Time começa a resolver a história.

A mudança de rumo, onde acabam os desenvolvimentos e iniciam-se as resoluções e conclusões, fica muito evidente. Para os fãs mais saudosistas, é o começo do fim. A partir disso, muitas dúvidas que faziam os personagens questionarem a própria existência ganham um novo significado. Talvez isso fosse apenas uma gota no meio do oceano. A analogia, repetida algumas vezes ao longo da temporada, faz parte de mais uma característica da série, a de ser marcante.

Desde o início, Dark sempre trouxe para a tela diálogos profundos e cenas que dificilmente serão esquecidas. Na sua última exibição, que ficará disponível na Netflix até o fim de sua existência, não foi diferente. A temporada final é repleta de momentos singulares, icônicos dentro da narrativa, e que impactam o espectador. O seriado, acima de tudo, é principalmente uma jornada de vínculo emocional entre público e personagens. Essa história vai além de despertar a curiosidade e acompanhar para saber o que vai acontecer no final.

Qual o tamanho de Dark na cultura pop? Os anos vão dizer. Mesmo não tendo o alcance de outras séries muito mais populares, a série alemã é um evento singular e um dia será referência para outros programas. Mas, em meio a uma pandemia, a temporada final foi um evento mobilizador, um alento de tempos difíceis, um escape muito acima da média. A ficção científica nem sempre precisa se reinventar, e Dark é um excelente retrato contemporâneo do gênero.

Se em algum momento a reta final de Jonas (Louis Hofmann) e Martha (Lisa Vicari) pareceu as pirações de Interestelar (2013), em outros e no fim das contas, Dark encerrou sua história de forma emocionante. O final tocante pode ser qualificado como piegas, um tom diferente da narrativa densa, cheia de gravidade, causa e consequência. O nó foi desfeito e dele foi feito uma linha que segue do jeito que qualquer um quiser.

Ao final, a interpretação é livre, e isso jamais será ruim neste caso específico. O debate sobre a série vai seguir, nem todas as respostas estavam lá, mas as informações sim. Dark criou para si, em tão pouco tempo, um significado próprio. Deixou a sua marca assim como tantas outras séries memoráveis. Com três temporadas chega ao fim o maior acerto da Netflix, um seriado que sabia o que queria entregar. Dark encerra a sua jornada no ápice.

Avaliação
Avaliação
9.5
COMPARTILHAR
Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.