Levante filme
Ayomi Domenica em cena do filme 'Levante'. | Crédito: Divulgação / Vitrine Filmes.

Premiado internacionalmente em festivais renomados como Cannes e Roterdã, Levante é o filme de estreia de Lillah Halla. Chegando ao circuito comercial dos cinemas, o filme traz uma discussão intrigante sobre o abordo no Brasil.

Ficha técnica

Título: Levante
Direção: Lillah Halla
Roteiro: María Elena Morán e Lillah Halla  
Elenco principal: Ayomi Domenica (ela/dela), Loro Bardot (ele/dele/elu/delu), Grace Passô (ela/dela), Gláucia Vandeveld (ela/dela), Rômulo Braga (ele/dele), Larissa Siqueira (ela/dela), Onna Silva (ela/dela), Lorre Motta (ele/dele), Isabella Pinheiro (ela/dela), Heloísa Pires (ela/dela), Helô Campello (ela/dela), Karina Rie Ishida (ela/dela), Lorena Costa (ela/dela)
Data de lançamento: 22 de fevereiro de 2024 (nos cinemas brasileiros)

A história de ‘Levante’

A futura liberdade e autonomia de Sofía, uma jovem jogadora de vôlei, são ameaçadas por um conservador e violento efeito manada… Às vésperas do campeonato de vôlei decisivo para seu futuro como atleta, SOFÍA (17), descobre uma gravidez indesejada. Na tentativa de interrompê-la clandestinamente, ela acaba se convertendo em alvo de um grupo fundamentalista decidido a detê-la a qualquer preço, mas nem Sofía nem aqueles que a amam estão dispostos a se render ante o fervor cego da manada. 

Assista ao trailer do filme:

Crítica de ‘Levante’

Levante, de Lillah Halla, integra uma corrente que tem movimentado um espectro do cinema no Brasil. São filmes de orçamento pequeno com um olhar preciso para pautas sociais emergentes da periferia.

Neste exemplar, os assuntos rodeiam a discussão sobre o aborto em sua associação direta ao direito da mulher sobre o próprio corpo. A discussão deste tema no Brasil é rodeada pela intolerância, religião, diferentes ideologias e política.

No entanto, um assunto que está ligado diretamente ao corpo feminino pouco é discutido pelo poder público como uma pauta de saúde coletiva da mulher. E a história representada em Levante discute todos esses núcleos que pautam esse assunto a partir de uma perspectiva queer e LGBTQIA+ – esse olhar parte, também, da composição diversa do elenco.

Levante nasce de posicionamento e de militância. Sem esses dois elementos, que partem de experiências subjetivas da vida de cada um que faz a obra, o filme não seria o que é. A história não é panfletária, apenas traz um tema a partir de uma perspectiva embasada pela inspiração na realidade.

No longa de estreia de Lillah Halla, Sofia (Ayomi Domenica) descobre que está grávida quase que simultaneamente com o fato de ser observada e candidata para uma bolsa fora do Brasil. A gravidez impede que a jovem de 17 anos siga com esse sonho, o que a leva a tentar um aborto clandestino.

Rômulo Braga (esquerda) e Ayomi Domenica (direita) em cena do filme ‘Levante’. | Crédito: Divulgação / Vitrine Filmes.

No Brasil, o aborto só é permitido por lei em casos de estupro, feto anencéfalico e risco de vida para a mulher. Tudo que fugir disso, é configurado como crime. Neste cenário, sobram para as mulheres duas opções: o aborto inseguro ou fora do país. A segunda opção não é acessível para as camadas mais pobres da população. A primeira representa risco de vida, além de configurar crime.

O filme de Lillah Halla retrata essa realidade que faz a protagonista procurar por ambas as alternativas e questiona o limite que a mulher tem de direitos e escolhas sobre o seu próprio corpo.

Além de todos estes contornos, Levante também é um filme de destaque internacional. Levou o Prêmio FIPRESCI (Internation Film Critics Association) no Festival de Cannes em 2023 e recentemente ganhou o Prêmio do Júri Jovem do Festival de Roterdã. Esses e outros reconhecimentos se devem também pela qualidade do filme.

A roupagem emula o cinema praticado por Carolina Markowicz (Carvão, Pedádio), que também olha para as regiões periféricas e capta pautas sociais. Lillah Halla, assim como a companheira de profissão, une o olhar social crítico com a técnica da realização cinematográfica. Levante é um filme que utiliza sua história, personagens, atuações e som como elementos essenciais para sua identidade.

Ayomi Domenica em cena do filme ‘Levante’. | Crédito: Divulgação / Vitrine Filmes.

Levante ainda traz para a tela do cinema a potência da coletividade e a importância da rede de apoio. Parte do elenco morou junto durante o processo de filmagem do longa. Essa realidade ajudou na construção da relação de cuidado entre essas personagens. O grupo respeita a decisão de Sofia e acolhe a jovem nos momentos mais difíceis.

Sofia, além de receber essa onda de carinho, passa por processos violentos na história. Ao procurar uma clínica clandestina de aborto, ela acaba sendo perseguida por religiosos que querem impedir que o procedimento aconteça. Além deles, a jovem é levada a violentar o próprio corpo, como se fosse uma medida final e definitiva.

Levante tem um tom que beira a distopia, sobretudo quando insere temas religiosos na sua narrativa. Ao mesmo, sua linguagem narrativa e falada é jovial – fazendo com que todos os assuntos sejam compreendidos com facilidade.

Levante filme
Loro Bardot (esquerda) e Ayomi Domenica (direita) em cena do filme ‘Levante’. | Crédito: Divulgação / Vitrine Filmes.

A obra de Lillah Halla, construída coletivamente com o elenco – informação revelada durante a coletiva de imprensa do longa-metragem – acerta não apenas na abordagem do tema, como também no retrato das violências sofridas por pessoas com útero ao discutir o direito do corpo. No entanto, o acerto maior está em como esta história rodeada de temas e discussões consegue fazer com que o público entenda sua essência.

Embora tenha sua comunicação com a audiência facilitada por sua jovialidade, Levante ainda tem um caráter independente permeando sua construção. Há símbolos que podem ser captados durante toda a história. No final, porém, a subjetividade da obra é elevada em uma cena de pura catarse.

Levante é um filme feito por muitas mãos, ideias e pensamentos. É um longa que passou por muitos processos até chegar a sua concepção final. E o reconhecimento internacional recebido está de acordo com a qualidade visual, sonora e narrativa desta história sobre o Brasil.

Avaliação
Ótimo
8.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.