A filmografia da diretora Lúcia Murat reflete a junção das suas experiências pessoais com um olhar aguçado para os problemas da sociedade brasileira. Há tempos, a cineasta alterna entre retratos do Brasil e histórias que resgatam sua experiência com a ditadura militar. Em O Mensageiro, ela retoma a temática, mas propõe uma abordagem diferente.
A história é centrada em Armando (Shi Menegat), um soldado que, diante da tortura, decide levar uma mensagem para a família de Vera (Valentina Herszage), uma prisioneira do regimento onde ele trabalha. Com esta premissa, o longa-metragem se dedica a mostrar o que a cineasta chama de “a humanidade em meio ao horror” – frase que ela disse durante o Festival do Rio e confirmou em entrevista para a Matinê.
O filme se dedica a estabelecer relações entre os personagens, com Armando sendo a figura central. O protagonista é o elo de comunicação entre Vera e sua família enquanto ela está presa. Por outro lado, ele é o que mostra ao espectador a dinâmica que envolve sua posição como soldado, com companheiros de trabalho e seus superiores.
A todo momento, O Mensageiro se demonstra uma grande colagem de cenas que findam a construção dessas diferentes relações. Armando com os colegas soldados, os pais de Vera e a sua dinâmica familiar estranha, o discurso de lavagem cerebral das forças armadas, entre outros.
Enquanto a história se desenrola, o filme procura desenvolver as consequências dessas relações. Se por um lado Armando é um soldado que demonstra resistência aos métodos do exército, do outro ele afetado por este entorno violento.
Além de retratar estas questões envolvendo a ditadura, O Mensageiro também tenta criar diálogos sobre perdão. A história, no entanto, não consegue tornar este assunto um tema intrínseco da sua narrativa. Embora a discussão seja relevante dentro do que o filme se propõe, suas cenas são desconexas do todo. Com esta tentativa de trazer a temática para o mundo atual o longa-metragem que corre o risco de perder a conexão estabelecida com o espectador.
O Mensageiro concretiza uma proposta não convencional ao dar traços de humanidade a um soldado da ditadura militar. Mesmo mostrando parte dos horrores relacionados a tortura de presos políticos, não é interesse desta obra a possibilidade de tornar a violência um espetáculo. Suas ideias e sutilezas estão entranhadas em olhares silenciosos e em palavras viscerais que mesmo representadas em uma obra de ficção apresentam algum grau de verdade latente aos olhos de quem assistir.