“Questione tudo”, diz um dos pôsteres de Herege, filme com Hugh Grant que chega aos cinemas do Brasil a partir de 21 de novembro. O longa-metragem é um dos mais badalados do gênero de horror em 2024. E o que pode justificar esse destaque não é o filme em si, mas aquilo que há nas entrelinhas desta história.
Em Herege, o espectador vai acompanhar duas jovens missionárias que tentam espalhar a palavra da religião na cidade. Barnes (Sophie Thatcher) e Paxton (Chloe East) visitam pessoas que demonstraram interesse em ouvir o que elas têm a dizer.
Em uma dessas residências encontram o Sr. Reed, um homem de meia-idade que as recebe de braços abertos. As jovens, porém, falam que só podem ficar lá na presença de outra mulher, para que assim não quebrem as regras da igreja.
É a partir disso e dos questionamentos que o Sr. Reed faz sobre a religião mórmon que Herege começa a ganhar contornos mais perversos. Com isso, as jovens missionárias são engolidas por uma trama de manipulação e tensão que procura pelos limites da sua fé.
Inicialmente, Herege parece criticar gratuitamente a religião alheia. O personagem de Hugh Grant apresenta um típico discurso antissistema que questiona a fé das pessoas naquilo em que acreditam.
Reconhecido pelas comédias românticas e pelo charme dos seus personagens, o ator usa estas habilidades para criar uma figura repugnante. O Sr. Reed é charmoso e ao mesmo tempo tomado por uma postura passivo-agressiva enquanto expõe os seus questionamentos.
O vilão é preenchido por essas ideias como se elas fossem a única verdade. Desta forma, enquanto profere seu discurso, ele passa a ocupar o mesmo lugar das figuras que questiona. Enquanto critica divindades como se elas manipulassem as massas para obter controle sobre elas, Sr. Reed tenta fazer o mesmo com as jovens missionárias.
Herege se demonstra modesto como um filme de terror enquanto opera sua narrativa a partir das escolhas mais fáceis que o roteiro pode fazer. Suas cenas e diálogos são ágeis e engenhosos, mas o longa-metragem cria de imediato a necessidade de se explicar, como se fosse complexo demais para o público entender.
Esta prepotência do texto impede o espectador de aproveitar as tramoias do antagonista. Desta forma, o filme pouco cria suspense sobre si. Herege fabrica a dúvida em uma cena e entrega a resposta na próxima.
Enquanto na superfície o filme pouco chama atenção, é na sua entrelinha que o mais interessante acontece. Em um mundo polarizado, onde o debate de ideias não existe e a imposição daquilo que cada indivíduo acredita é o que impera, questionar, como sugere a divulgação do filme, é o que de melhor o público que assistir o longa-metragem pode fazer.
É fácil cair no discurso antissistema do antagonista, mas é difícil questionar quem ele é. Descobrir as facetas por trás deste personagem é o que pode ter feito de Herege um dos principais filmes de terror de 2024. Talvez ficar a mercê somente desta informação não credencie o filme a tal rótulo, mas entregar o que há por trás de um senhorzinho supostamente amável é o que Herege tem de melhor.
É um filme que narrativamente não dá ao público o benefício de pensar sobre ele, pois no momento em que uma dúvida é criada a resposta aparece logo em seguida.
Credenciados pela franquia Um Lugar Silencioso, Scott Beck e Bryan Woods, que atuam como diretores e roteiristas de Herege, não executam um trabalho ruim em sua nova incursão. A dupla peca em não conseguir reproduzir aquilo que mais deu certo em Um Lugar Silencioso (2018): criar uma história envolvente repleta de tensão.
O horror proposto por Herege é digno de sua inspiração na realidade, mas os recursos utilizados para causar tensão e perturbar os espectadores não conseguem alcançar esse objetivo.
Isso não significa que o horror psicológico não funcione, pois de fato o filme consegue encurralar as protagonistas com facilidade. No entanto, as escolhas dos diretores na execução comprometem o resultado.
Herege promete muito mais do que realmente entrega. Como filme, estruturalmente, repete efusivamente o erro de ser expositivo por excesso ao tentar construir uma falsa complexidade em suas artimanhas. Com isso, o roteiro deixa de aproveitar o horror psicológico para verbalizar as suas ideias.
Apesar de ter na figura do Sr. Reed o seu elemento mais interessante, o filme não consegue se sustentar apenas com a entrelinha do personagem. Nem mesmo com o apoio inteligente do marketing brasileiro que na frase “questione tudo” dá a melhor informação que um espectador pode ter antes de conferir Herege.