Os trilhos do metrô de Nova Iorque passam atrás da casa de Ani/Anora (Mikey Madison). A jovem, de 23 anos, tenta dormir de dia, momento em que o transporte funciona a pleno. Durante a noite, ela trabalha em uma boate como dançarina e lá conhece um rapaz rico, com quem se casa impulsivamente.
Dirigido por Sean Baker, Anora tem como proposta revisitar a história da Cinderela, levando o formato para as ruas de Nova Iorque. Inicialmente, a ideia pode não ser tão atrativa. No entanto, é nessa possibilidade de expectativa que o cineasta, responsável também por Projeto Flórida (2017), consegue subverter.
Os primeiros minutos de Anora situam o espectador na rotina da personagem-título como dançarina de boate. A garota segue as regras do local, até conhecer Ivan (Mark Eydelshteyn), o filho de um oligarca russo que se encanta por ela.
Com músicas e sequências de dança, a personagem enlouquece o menino russo, que a convida para acompanhá-lo fora da boate. Enquanto isso, músicas, luzes e montagem trabalham para envolver a audiência. Há sequências que simulam videoclipes, com músicas e performances sagazes para arrebatar de vez a atenção dos espectadores.
É nesse momento que o longa-metragem atinge o ápice da noite perfeita da Cinderela. No entanto, o interesse real do filme é no momento em que a charrete vira abóbora, o vestido azul se transforma em pano surrado e o sonho, enfim, acaba.
O filme de fato mostra sua insanidade quando os russos descobrem o casamento impulsivo de Anora com Ivan, desencadeando uma série de eventos catastróficos na vida do casal. Ao melhor estilo Bom Comportamento (2017) e Joias Brutas (2019) – estes dirigidos pelos irmãos Safdie -, o longa cria momentos de êxtase, onde o caos beira o absurdo.
A partir disso, Anora apresenta em tela algumas das melhores sequências de acontecimentos do ano. A cena da sala, onde há o primeiro confronto sobre o casamento de Ani e Ivan, representa muito bem esse rótulo.
Anora é emocionalmente visceral. Afinal, trata-se da vida de uma garota de 23 anos que um dia tem tudo o que sempre quis, mas de uma hora para outra vê essa nova realidade se desintegrando diante dos seus olhos.
Ao longo dos diferentes acontecimentos que embalam a história, Sean Baker constrói diferentes momentos de impacto. Há euforia, desespero e êxtase que fazem de Anora uma história vibrante.
No entanto, isso não é tudo. Baker entende que o filme, cujo roteiro é assinado por ele, precisa chegar a algum lugar. É neste desdobramento que Anora atinge a catarse que poucos longas-metragens conseguem.
Em sua última cena, Anora revela-se um filme que estuda a realidade. Não o que se conhece, mas ao que se tem acesso. Mais importante do que isso é ver em tela o impacto que essa descoberta tem na protagonista. Se antes a atuação potente de Mikey Madison já impressionava, em seu último momento a atriz acompanha o longa-metragem ao atingir a mesma catarse.