Nosferatu, a criatura careca, de olhar profundo, mãos grandes e unhas pontudas, misturando traços animalescos e humanos, talvez seja mais conhecida pelo grande público do que o filme que lhe tornou um símbolo do cinema de horror. A adaptação proibida de Drácula de Bram Stoker, foi responsável por desencadear uma segunda vertente dos filmes de vampiro e se consolidou como uma referência no gênero.
Em 1979, até o cineasta alemão Werner Herzog lançou sua versão do filme de 1922 dirigido por F.W. Murnau. Ambos as obras, para além de outras versões da história e do personagem, tornaram-se peças influentes sobre vampiros monstruosos.
Abrindo a temporada de filmes de 2025, o Nosferatu de Robert Eggers chega ao Brasil, e aos cinemas, para marcar uma nova época. O cineasta estadunidense de apenas 41 anos lança a sua versão da história, uma reinterpretação do clássico na moda contemporânea.
Nosferatu (2025) pode ser compreendido de três maneiras: um filme de terror acima da média; mais um exemplar da interessante e talentosa filmografia de Robert Eggers; ou como uma nova e assertiva visão da história proibida de F.W. Murnau.
Uma história de melancolia e obsessão
Nesta nova versão, o longa-metragem mostra quem uma jovem e solitária garota – Ellen, vivida por Lily-Rose Depp – ansiava por companhia e pedia algo ou alguém que a deixasse menos sozinha. A jovem é ouvida por uma entidade antiga, com quem firma um acordo que precisa ser renovado.
Anos depois, Ellen se casa com Thomas (Nicolas Hoult) que precisa viajar para concluir o acordo de compra de uma casa antiga na cidade em que moram. Quando chega ao castelo do Conde Orlok (Bill Skarsgard) a história de terror entra em cena.
São muitos os elementos que se destacam em Nosferatu (2025). A atmosfera criada por Robert Eggers tem como alicerce a fotografia de Jarin Blaschke e a trilha de Robin Carolan.
Em sua maioria, os personagens aparecem ocultos pelas sombras. A luz, que deveria preencher os ambientes, conota um cenário melancólico em boa parte da projeção. Thomas (Hoult), Ellen (Depp) e outros, por vezes, aparecem apenas pela silhueta.
Esse trabalho é um convite para que, enquanto a história avança, os dilemas dos personagens envolvidos sejam explorados na tela. Não à toa o cenário de Wisburg, cidade onde a maioria da trama se passa, é de desesperança.
Tudo isso ainda é envolvido pela trilha sonora, elemento essencial para a condução de Nosferatu (2025). É na trilha que a atmosfera fantasmagórica e o romance distorcido ganham vida.
A história de Ellen e Conde Orlok se entrelaça a partir da necessidade. A criatura foi o que ela recebeu como resposta aos pedidos que realizou. O poder de Nosferatu não estava apenas na sua monstruosidade e imponência, mas principalmente no tipo de controle que passou a exercer sobre a vítima.
Durante os seus momentos de solidão, Ellen desejava companhia. Nosferatu não apenas supriu a necessidade de afeto como adicionou o prazer a esta equação. A partir disso, a prisão da personagem de Lily-Rose Depp baseava-se também na sensação de que além de companhia, ela também teria satisfação.
Isso se constrói em um cenário em que a sociedade recebe negativamente uma mulher aparentemente possuída que não controla, ou se quer pensa duas vezes, em compartilhar abertamente seus gemidos de prazer. Em determinados momentos, mesmo que a melancolia seja ruim, é difícil para Ellen não abraçar o problema.
Esse ciclo vicioso se quebra quando ela encontra o amor em Thomas. O jovem preenche as lacunas, até então ocupadas por uma conexão mental com Nosferatu, com amor, zelo e carinho. Desta forma, cria-se um triângulo amoroso de obsessão e disputa.
Neste cenário, entram em cena outros ideais da época quando problemas de ordem não natural são tratados como distúrbios mentais. Com isso, personagens como o professor Albin Eberhart von Franz e o Dr. Wilhelm Sievers (Ralph Ineson) fazem esse diálogo entre lógica e fantasia.
O eloquente von Franz é um motor importante para essa história. É a partir deste personagem que o filme encontra um texto mais direto e menos simbólico. Williem Dafoe é quem dá vida ao professor, que marca sua terceira colaboração com Robert Eggers. O ator retorna ao universo de Nosferatu mais de 20 anos depois de viver Max Schreck em A Sombra do Vampiro (2000), filme que encena a gravação do longa-metragem de 1922.
Em boa parte do longa-metragem, Nosferatu representa uma ideia de terror. O filme constrói essa figura a partir daquilo que ela representa. Esta onipresença, que homenageia o clássico através da reprodução da sombra desta figura, é a lore da atmosfera que o público poderá experimentar nos cinemas.
Assim como fora com Nicolas Cage em Longleggs – Vínculo Mortal, o visual do Nosferatu de Bill Skarsgard é um dos mistérios do longa-metragem. Enquanto a história avança, o ideal deste horror ganha forma.
Pouco a pouco, as mãos com dedos longos e unhas pontudas, a cabeça quase sem cabelos e os trajes surrados ganham espaço na tela. Mesmo pujante, Nosferatu é um ser envelhecido e debilitado. Apesar de monumental, se move com lentidão, fala devagar e respira com dificuldade na maior parte do tempo.
Bill Skarsgard, que interpretou Pennywise em IT, está cada vez mais especializado em criar personagens emblemáticos embaixo de quilos de maquiagem. Além da caracterização, o que fica são as camadas que o ator consegue dar a estas figuras que chamam a atenção pelo visual, mas que ganham a audiência pelo que transcende essa barreira.
Clássico renovado
Para este filme, Robert Eggers entrega uma visão contemporânea de Nosferatu – mais de 100 anos depois que a primeira versão ganhou o público nos cinemas. Trata-se não apenas da sua versão desta história, mas de uma obra que, mesmo depois de tantos anos e retratos, volta autêntica e renovada para as telas.
Nosferatu (2025) é o filme que reduz, na filmografia de Eggers, a complexidade dos símbolos usados pelo diretor. É como se ele estivesse traduzindo a própria linguagem por sentir que uma figura tão emblemática necessite atingir grande o público.
Desta forma, mesmo empregando sua assinatura marcante, Robert Eggers dilui com elegância a própria linguagem. Sendo assim, ao entregar uma história acessível, o cineasta brinca com a percepção do expectador por meio de elipses e jumpscare.
Depois de F.W. Murnau e Werner Herzog, chegou a vez de Robert Eggers vincular e marcar o seu nome nas representações de Nosferatu. O personagem, que nasceu de uma adaptação proibida e que tinha um pé no expressionismo alemão, tornou-se um ícone do terror e ganhou, neste filme, uma versão atualizada.
Nosferatu parece estar fadado a ciclos de renovação que comprovam a sua importância. A sorte, porém, é do público que garantiu a permanência do personagem no imaginário e recebe em troca mais um filme para não esquecer.