Fora de quatro paredes o sexo é ainda é um tabu. Para alguns, o assunto está dentro de um submundo sórdido de sujeira e depravação. No entanto, o tema ainda fala da privacidade, intimidade e dos valores que cada pessoa usa para construir esses pontos em suas vidas. Ou seja, dentro de um quarto vale tudo, desde que acordado antes.
A cena de abertura de Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental é de um sexo explícito, e de forma muito simples o filme pergunta ao seu espetador: “foi apenas má sorte ou era mesmo um pornô amador”? Mas isso, fica para o final. Na verdade, antes existe um contexto que aos poucos vai se construindo.
Emi é a protagonista, e a mulher envolvida com a cena de sexo vista logo no começo. Ela é professora de uma escola tradicional e conservadora em Bucareste. Após o vídeo vazar na internet, o material vai parar nas mãos dos alunos, o que faz com que os pais e o conselho do colégio convoquem uma reunião entre eles e Emi.
Radu Jude, diretor, passeia pela cidade e por alguns poucos cenários, acompanhando o trajeto percorrido por Emi até chegar à escola. O fato acontece durante a pandemia. Então, pessoas de máscara, com o equipamento de proteção abaixo do queixo e até mesmo sem, aparecem nas lentes das câmeras. A protagonista, inclusive, usa a máscara em locais fechados e para esconder-se da vergonha de ter um vídeo de sexo com o marido vazado na internet quando é reconhecida na rua.
Durante o trajeto acontece uma intervenção narrativa com vários esquetes de significados sobre muitas coisas, sejam elas da história do mundo ou do dia a dia – e até mesmo dos prazeres mais íntimos. Com isso, Radu Jude brinca com o tom do próprio filme e atribui sentido ao que forma os componentes da sociedade – os negacionistas, machistas, esquerdistas, conscientes, corretos, moralistas, conservadores, oprimidos, privilegiados, etc.
A ideia do diretor é de fazer entender o que compõe as pessoas nos lugares onde cada indivíduo está inserido e de como elas, dentro de seus contextos sociais, agem perante determinadas situações. Esse é o caso da reunião dos pais com a professora.
Quando o encontro acontece, todas essas ideias ficam evidentes. Há quem julgue a professora como uma sem vergonha e quem respeite a intimidade vazada. O que acontece, na verdade, é uma série de amostragens de construções sociais que não se restringem apenas ao contexto romeno. São impressões passadas por gerações e providas de inúmeros locais de conhecimento, como família e religião, por exemplo.
Em dado momento, um senhor de idade olha para o tablet de uma das mães presentes na reunião. A mulher, antes que tudo começasse, fez questão de mostrar o pornô acidental para todos (o conteúdo já havia sido removido, mas ela fez o download por saber que o vídeo seria retirado do ar). Assim, os presentes poderiam julgar a professora e mulher a partir da sua conduta no material audiovisual. A cena é tão incômoda e chocante quanto a do sexo explícito na abertura.
Mesmo tratando em tom sério, as análises dos envolvidos são sempre muito fechadas, como se o campo de visão dos seus olhos se restringisse a um pequeno buraco reto. Com isso, os pais julgam Emi, seu conhecimento e experiência profissionais pela liberdade que tem com o marido, pelas fantasias, desejos e prazeres que sentem.
A sociedade reprime e humilha aqueles que não respeitam os valores da maioria. A diferença nem sempre é considerada, sobretudo no caso de quem tem algo tão pessoal exposto. O que o filme mostra é uma cena de tortura social, e a professora é o alvo. Já o final tem três opções, ou hipóteses, do que poderia acontecer. Uma talvez mais real, e outras para satisfazer a imaginação. Embora o tom seja de sátira, só acredita na brincadeira quem realmente não leu o que mais importantes do filme: as entrelinhas.