Cinemateca Paulo Amorim
Localizada no Centro-Histórico de Porto Alegre, a Cinemateca Paulo Amorim e a Casa de Cultura Mario Quintana foram diretamente atingidas pela enchente histórica de maio de 2024. | Crédito: Matheus Machado / Matinê Cine&TV.

Porto Alegre – No dia 02 de maio de 2024 a programação da Cinemateca Paulo Amorim (CPA) foi encerrada durante a tarde. Naquela quinta-feira, a catástrofe climática que devastava cidades do interior do Rio Grande do Sul estava chegando em Porto Alegre. Assim como em outros locais, a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), onde fica o cinema, fechava as portas para o público externo. No dia seguinte, os funcionários operaram em força-tarefa para levar aos andares mais altos tudo o que fosse possível do mobiliário, acervo e maquinário presentes no térreo.

A ação era preventiva, mas necessária diante da eminência de um alagamento. “É importante agradecer para todo esse aparato científico das pesquisas que permitiram nos prepararmos para que esse prejuízo não fosse maior”, afirmou Germana Konrath, diretora da Casa de Cultura Mario Quinta. A água que atingiu este e outros importantes centros culturais da capital gaúcha ficou entre 1m e 1,5m de altura na Travessa dos Cataventos (a charmosa rua de paralelepípedos que divide a CCMQ).

A Cinemateca Paulo Amorim, que está localizada no térreo da Casa de Cultura, foi diretamente atingida pela enchente. “As três salas de cinema foram bastante prejudicadas, a água alagou todas as salas”, contou Mônica Kanitz, diretora e curadora da CPA. Os carpetes (encharcados e cobertos de lama), as poltronas (molhadas e repletas de mofo), os palcos onde se realizavam debates e sessões especiais e estofados das paredes foram afetados. “É um prejuízo grande, temos cerca de 270 assentos, nas três salas da Cinemateca Paulo Amorim, e todas essas poltronas vão ter que ser substituídas, e também o carpete que é uma metragem considerável”, afirmou a diretora da Cinemateca.

No sábado do dia 18 de maio, quando a enchente começou a recuar em algumas partes do Centro-Histórico, já era possível acessar parte da Travessa dos Cataventos e chegar perto das entradas da Cinemateca. Com a baixa da inundação no local, as paredes cor de rosa da Casa de Cultura Mario Quintana exibiam as marcas marrons da catástrofe. Nas portas do cinema uma folha A4 dava o seguinte recado para o público: “Devido aos eventos climáticos, a Cinemateca Paulo Amorim não abrirá na sexta, 3”.

Cinemateca Paulo Amorim
O cenário na sala Eduardo Hirtz exibia um carpete encharcado e coberto de lama e poltronas com marca de água e manchas de mofo. | Crédito: Matheus Machado / Matinê Cine&TV.

Os estragos deixados pela invasão da água ainda são contabilizados de forma prévia. Germana Konrath e Mônica Kanitz afirmam que só terão certeza de todos os prejuízos quando a luz for reestabelecida no local. “A gente não tem nenhuma questão estrutural, a arquitetura e a engenharia da casa se mantém de pé, é um prédio sólido, antigo, muito bem construído”, destacou a diretora da Casa de Cultura.

Além dos danos materiais previamente contabilizados, o sistema de ar condicionado é uma preocupação de Mônica Kanitz. “No momento que voltar a luz a gente tem que dar uma olhada no ar condicionado, a gente já viu que entrou água ali e agora eu não sei se a gente perdeu (o equipamento)”, disse a diretora da CPA. O aparelho referido pela curadora do cinema está localizado em um pequeno espaço ao lado da Sala Paulo Amorim. A Matinê visitou a Cinemateca e na ocasião (quarta-feira, 22 de maio) ainda era possível ver água e lama no chão do ambiente onde fica o equipamento.

Por outro lado, o levantamento prévio feito pela direção da CCMQ indica que o sistema de som, os projetores e as telas do cinema, que ficam suspensos, não foram danificados. No caso da projeção, porém, será necessário o retorno da luz para verificar se a umidade presente no local não causou nenhum dano nos aparelhos.

Entre as duas visitas realizadas pela reportagem da Matinê, nos dias 18 e 22 de maio, a água presente na Travessa dos Cataventos recuou a ponto de ser possível o início da limpeza da Casa de Cultura. Um dia antes da segunda ida ao local, uma empresa terceirizada lavou a Travessa dos Cataventos e a área interna da CCMQ com lava-jato, removendo boa parte da lama que ficou a partir do recuo da água.

Cinemateca Paulo Amorim
Poltronas retiradas da Sala Paulo Amorim eram empilhadas no meio da Travessa dos Cataventos junto com outros móveis danificados pela água. | Crédito: Matheus Machado / Matinê Cine&TV.

Durante a segunda visita da Matinê, as poltronas da Sala Paulo Amorim estavam sendo retiradas. Rasgados, encharcados e com marcas de lama, os assentos eram empilhados no meio da Travessa dos Cataventos e depois colocados em um pequeno caminhão que levava-os embora.

A Cinemateca Paulo Amorim é um dos cinemas mais importantes de Porto Alegre. Com programação dedicada a filmes independentes que pouco ocupam espaços nos multiplex dos shoppings, a CPA ainda recebe o Festival Varilux de Cinema Francês, o Fantaspoa (um dos principais festivais de cinema fantástico do mundo), o Frapa (festival de roteiros mais importante da América Latina) e o Festival Cinema Negro em Ação. São nas salas Paulo Amorim, Eduardo Hirtz e Norberto Lubisco que sessões especiais de longas-metragens gaúchos, como O Acidente e Depois de Ser Cinza, acontecem com a presença das equipes de produção.

Sem poltronas e incapaz de receber sua audiência, as salas da Cinemateca Paulo Amorim serão grandes salões vazios preenchidos pela esperança de promover novamente o encontro do público com a sétima arte.

Reabertura em construção

As diretoras da Casa de Cultura Mario Quintana e da Cinemateca Paulo Amorim afirmaram que no momento não há previsão para reabertura. “Esperamos que nos próximos meses, no segundo semestre, a gente esteja funcionando a pleno, mas imaginamos que para uma recuperação total vão ainda meses a fio”, ressaltou Germana Konrath.

Com as primeiras etapas da limpeza iniciadas, ainda serão muitos os processos até o vislumbre de uma reabertura. “Temos que higienizar bem o espaço, secar, porque não adianta colocar um carpete novo se não estiver tudo muito seco, temos que passar produtos antimofo, e tudo isso demanda tempo”, destacou Mônica Kanitz.

Diante do cenário de calamidade, a ideia de reabertura ganha um significado diferente para a Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul (SEDAC). Segundo Germana Konrath, que também é Diretora de Artes e Economia Criativa da SEDAC, a Casa de Cultura Mario Quintana será um espaço de acolhimento para artistas e trabalhadores da cultura afetados pela catástrofe climática. “A gente está com um projeto dentro da Secretaria de Cultura que se chama Zonas de Acolhimento Cultural, assim que for possível a gente vai reabrir esses espaços para acolher não só a nossa comunidade artística e cultural, mas um público mais amplo”, contou a diretora da CCMQ.

A ideia é que a Casa de Cultura, entre outras instituições administradas pela SEDAC (como Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul), possam receber este público fornecendo energia elétrica e internet. “A gente está fazendo um esforço para ter wi-fi (na CCMQ) para a população, para a gente reabrir como um espaço de comunidade, um espaço coletivo”, destacou Germana Konrath.

Cinemateca Paulo Amorim
Paredes e portas da Cinemateca Paulo Amorim na Travessa dos Cataventos exibem a marca da altura atingida pela água. | Crédito: Matheus Machado / Matinê Cine&TV.

No caso da CCMQ, os processos para chegar a etapa de reabertura são mais complexos. Cada ala da Casa de Cultura possui uma subestação de energia. Para serem religadas é necessário não apenas o reestabelecimento da luz na região, mas também a presença da CEEE Equatorial para a operação. Além disso, o sistema de bombas que alimenta e faz circular a água na Casa de Cultura precisará ser substituído. E há ainda os elevadores que foram afetados pela água e somente depois de totalmente secos poderão ser verificados possíveis danos.

Enquanto a reabertura da Casa de Cultura e da Cinemateca Paulo Amorim continua distante, Mônica Kanitz conta com a solidariedade dos parceiros da CPA. A intenção da curadora da programação é de reabrir o cinema com os mesmos filmes que estavam em cartaz. Um dos longas-metragens é Dias Perfeitos, de Wim Wanders, distribuído pela O2 Play em parceria com a Mubi.

Em cartaz desde fevereiro na CPA, o longa-metragem representou o Japão na categoria de Melhor Filme Internacional no 96º Oscar e foi responsável por algumas filas na bilheteria da Cinemateca Paulo Amorim. A lembrança de ver as sessões de Dias Perfeitos lotadas faz Mônica Kanitz ansiar por momentos como este de novo. “As pessoas vêm, ficam na fila, se encontram, conversam, é lindo ver essa Travessa cheia e eu quero muito que isso aconteça de novo, o mais breve possível”, afirmou a curadora do cinema.

Espaços culturais como a Cinemateca Paulo Amorim e a Casa de Cultura Mario Quintana desempenham um papel importante na vida da população. A Travessa dos Cataventos é um importante ponto de encontro. Com o passar das próximas semanas, estes locais serão fundamentais para criação de novas memórias capazes de amenizar, de alguma maneira, a tristeza da dura realidade que domina o Rio Grande do Sul.