Para viver a experiência de assistir O Brutalista nos cinemas, os espectadores devem reservar algumas horas do seu dia. O filme, dirigido por Brady Corbet, manterá nas exibições comerciais um intervalo, entre atos, de 15 minutos. Com isso, as 03h36 de duração do longa-metragem se tornarão quatro horas.
A ideia de passar tanto tempo no cinema pode afugentar parte do público. No entanto, para os amantes do cinemão e das grandes histórias, o esforço pode valer a pena.
O Brutalista recebeu 10 indicações ao 97º Oscar e acompanha a trajetória do arquiteto László Tóth (Adrien Brody). Recém-chegado aos Estados Unidos, o protagonista fugiu das barbaridades que enfrentava na Europa pós-guerra. No estado da Pensilvânia, ele encontra o apoio de um primo para se reestabelecer profissionalmente e tentar trazer a esposa e a sobrinha para os EUA.
Enquanto isso acontece, László é contratado por um importante empresário que enriqueceu fabricando armas durante a Segunda Guerra Mundial. A missão do arquiteto é de construir um edifício com capela, quadra esportiva e um centro cultural para a comunidade de uma pequena cidade. O Brutalista investiga a história desse personagem, mas faz um diagnóstico sobre o progresso dos Estados Unidos enquanto questiona se o sonho americano é para todos ou se é controlado por uma pequena parcela poderosa da população.
Examinando a história do progresso dos Estados Unidos

A todo momento, O Brutalista se assemelha a um drama biográfico – como se estivesse contanto a história de uma pessoa real. O nome László Tóth, inclusive, até pode ser encontrado na pesquisa do Google, mas o protagonista do longa-metragem existe apenas na ficção.
Dentro deste caráter biográfico fictício, O Brutalista é quase uma antítese a Oppenheimer. Apesar disso, existem semelhanças entre as obras. Ambos tratam de uma figura masculina, situam-se em épocas envolvidas pela 2ª Guerra, possuem na técnica algumas das suas principais valências, contam com atuações marcantes, mas distanciam-se na mensagem que passam e na perspectiva dos diretores.
A dissonância fica evidente em uma das primeiras imagens do filme. Quando László Tóth chega a Nova York, surge a Estátua da Liberdade – símbolo da terra das oportunidades. No entanto, a imagem está deitada e e chega a aparecer de cabeça para baixo. Então, o pensamento utópico do sonho americano, onde o esforço será recompensado com o sucesso, pode existir, mas não da mesma maneira para todos.
O Brutalista situa-se em um momento em que os Estados Unidos assumem o protagonismo econômico mundial. Alguns empresários, como Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), lucraram com a 2ª Guerra, desenvolvendo poder e influência na sociedade.
Em uma das cenas mais importantes do enredo, o personagem de Guy Pearce chega em casa enfurecido com a obra surpresa da sua biblioteca – planejada por László Tóth a pedido do filho do Sr. Van Buren. Aos gritos, ele fala que o arquiteto e o primo devem se retirar e levar o “seu negro” embora. A reação desproporcional, segundo o próprio personagem, é porque ele não gosta de surpresas. Por outro lado, o racismo sequer é colocado na questão.

Em outro momento, Harry Lee (Joe Alwyn), o filho de Van Buren, fala para o arquiteto: “László, nós toleramos vocês”. Desta forma, conota que o arquiteto e os demais estrangeiros que trabalham com ele só estão ali porque aquelas pessoas querem. Ou porque são úteis naquele momento. O termo tolerar é forte e o seu peso cai sobre o protagonista com o mesmo impacto que as obras brutalistas carregam.
A falta de apoio e o mesmo pensamento preconceituoso se estendem também na família. Por um tempo, László é abrigado pelo primo Attila (Alessandro Nivola), que tem uma empresa de móveis planejados. Casado com Audrey (Emma Laird), ele trocou o próprio nome para ser aceito pela sociedade estadunidense.
As ideias de O Brutalista expandem-se quando Van Buren assume o lugar do salvador branco. O típico bom samaritano que ajuda quem que precisa. No entanto, diferente de filmes como Um Sonho Possível, onde essa figura é indômita, neste filme o personagem escolhido desmantela pouco a pouco a ideia de bondade.
Para Van Buren, pessoas de fora e trabalhadores no geral são números que, quando necessário, são descartados. Desta forma, O Brutalista constrói a ideia de que o sonho americano é, na verdade, uma forma de controle. Ou seja, enquanto essas pessoas são úteis para quem tem o poder, elas podem sentir a valorização daquilo que sabem fazer. No entanto, a partir do momento que sua serventia acaba, são descartadas como algo qualquer.
Desta forma, pessoas que vieram de outros países e os próprios negros, destacados no longa-metragem pela presença de Gordon (Isaach De Bankolé), são submetidos a uma sarjeta social. Mesmo que desempenhem um papel importante na construção do país, os frutos e créditos do trabalho serão colhidos por quem tem o poder.
A história de um personagem humano

Tornar um personagem humano é fazê-lo sair da própria superfície. Neste local, László Toth é o arquiteto que fugiu da Europa pós-guerra para reconstruir sua vida. O que Brady Corbet explora em seu filme é o que está além dessa informação.
Embora pareça eloquente, a comparação com Oppenheimer, sobretudo rotulando O Brutalista como uma antítese ao filme de Christopher Nolan, essa ideia constrói-se principalmente no tratamento recebido pelos protagonistas. Diferente do atual vencedor do Oscar de Melhor Direção, Corbet não está interessado na integridade de László ou em fazer dele uma figura admirável evitando narrativas de coitadismo, superação ou inspiração.
Assim como Anora critica a ideia de um sonho americano, O Brutalista desenvolve o seu alerta sobre o tema com uma mensagem contundente. Desta forma, o roteiro, assinado por Brady Corbet e Mona Fastvold, faz com que este subtexto esteja entranhado na história.
A proposta é ousada pela forma e pela linguagem adotadas para contar a história do filme. No entanto, O Brutalista se torna ainda mais audacioso por tratar da relação de estadunidenses e emigrantes após Donald Trump iniciar o seu segundo mandato com deportações em massa, com um discurso nacionalista semelhante ao de Harry Lee e Harrison Van Buren.
O Brutalista é o tipo de filme que se destaca pelo conjunto da obra. É inegável, ainda, que o estilo arquitetônico abordado pelo filme ajuda a construir a dureza da história. O brutalismo é um estilo de arquitetura bruta, como o próprio nome deixa evidente, que usa o concreto como base monumental das suas construções.

É por isso, por exemplo, que o filme não se esquiva de retratar as consequências mais brutais com que László teve de lidar. As situações impostas pelas xenofobias que sofreu e os abusos físicos e psicológicos, além dos traumas e dores da guerra, o tornaram também um viciado em opioides. No início, o uso de substâncias analgésicas servia para aliviar a dor do nariz quebrado, mas depois passou ao vício pelas dores da vida.
O Brutalista é uma das obras mais desafiadoras da atual temporada de premiações. Assim como uma construção, o longa-metragem firma seus alicerces e ergue suas paredes até colocar o teto no lugar. Para isso, conta com a atuação marcante de Adrien Brody, que na pele de László Tóth entrega em tela as nuances que tornam o seu personagem uma figura tão humana ao ponto de questionar sua existência no mundo real.
Da trilha sonora à fotografia, o filme cresce enquanto é absorvido após a sessão. Apesar de desafiar a resistência do espectador, sua história poderosa dá ao público a recompensa das suas camadas que perduram dia após dia. O Brutalista visita o passado e fala sobre o presente através de uma narrativa impiedosa.