Em sua história o cinema também é feito de fases. Houve a Era de Ouro, o tempo em que o terror/horror era a grande sensação do momento, a fase dos dramas policiais entre muitas outras. E agora a nova moda é ter um Universo de filmes, assim como Marvel, DC Comics, Monstros Gigantes (Kong e Godzilla) e a Universal Studios está querendo, desde 2014, aderir a essa moda com o seu Dark Universe, sendo A Múmia o seu novo primeiro passo para isso começar.
Ao contrário de Drácula – A História Nunca Contada (2014), filme com Luke Evans, A Múmia tenta se amarrar a este Universo Sombrio desde os primeiros minutos quando Russell Crowe surge como Henry Jekyll trazendo explicações mais do que didáticas sobre o passado de intrigas e traições da Princesa Ahmanet (Sofia Boutella), estabelecendo a base da existência de Deuses e Monstros na face da terra junto ao clima que o novo filme teria, mas não tem.
A Múmia é uma tentativa pretensiosa de estabelecer um Universo de filmes como se estes fossem apenas mais do mesmo. Há sem dúvida um grande potencial na franquia, mas não se pode dizer que existe coerência em transformar clássicos dos anos 30 em blockbusters feijão com arroz para fazer dinheiro. O filme de Alex Kurtzman não apresenta nada do que já não tenha se visto em qualquer outro filme, porém, as pretensões de ser grandioso além do que deveria ficam claras quando o diretor traz à Londres uma nuvem de areia invocada pela princesa demônio sem que ao menos houvesse a necessidade, parecendo uma regra estabelecida pelo sindicado internacional dos blockbusters – “Se não houver destruição em massa, não é blockbuster“.
A história reconta, muito bem, diga-se de passagem, a origem da personagem de Sofia Boutella, que em parte do filme consegue dar uma boa interpretação à Ahmanet, cheia de trejeitos e levemente caricata, mas passando o senso de perigo que uma Múmia com poderes sobrenaturais deveria apresentar. Mas o que começa bem termina mal, e essa é uma regra estabelecida durante o filme. Mesmo com o talento da atriz, o roteiro fraco, comum e preguiçoso (pois não se esforça em trazer algo realmente diferente e original para o filme), A Múmia entra em declínio total no seu ato final, esse com desfechos banais e previsíveis.
Enquanto a essência da vilã com porte de protagonista é deixada de lado, surge o que seriam os três piores pontos do filme: Tom Cruise (como Nick Mortion), o aventureiro que não embarca em nenhuma aventura; Annabelle Wallis (como Jenny Halsey), a retrograda donzela indefesa; Jake Johnson (como Chris Vail) o alívio cômico descartável que vira uma espécie de “Meu amigo, O Zumbi” em uma cartada patética e facilmente ridicularizada do filme. Cruise é um dos grandes astros de Hollywood, mas é de conhecimento público que há alguns anos o ator tem escolhido mal os seus papéis. Porém, além disso, aqui a escolha também partiu errada desde a hora do casting feito pelo estúdio, pois não apenas Tom Cruise é um péssimo protagonista, mas todos os coadjuvantes são desinteressantes e muito mal escritos. São personagens batidos, que parecem ter saído de um filme meia boca do início dos anos 2000. Aqui, salvam-se apenas a vilã e o Henry Jekyll (Crowe), mas ambos decaem ao longo do filme.
A Múmia é uma tentativa, correta, mas má executada, de levar a história destes ícones da literatura e cinema de horror para o grande público ao mesmo tempo em que subestima a inteligência alheia. Kurtzman consegue ser mais expositivo do que Christopher Nolan, porém, o diretor da trilogia O Cavaleiro das Trevas tem prestígio, talento e visão para usar este tipo de argumento até um ponto aceitável. E isso não acontece aqui.
Na verdade, A Múmia consegue se colocar contra ele mesmo no momento em que seus personagens se demonstram donos de um vasto conhecimento, mas basta a aparição do livro dourado do filme de 1999 (que tinha Brendan Fraser e Rachel Weisz como protagonistas) para que tais argumentos sejam quebrados com tamanha burrice, pois o filme usa o momento como um mero fan service, se assim podemos dizer, ou apenas um easter egg. O fato, que traria coerência para o roteiro, é deixado de lado porque a intenção não é conter a ameaça, mas sim criar um monstro, pois quem com monstro fere, com monstro será ferido. Ou, como Jekyll diz no final, só um monstro pode combater outro monstro, enquanto o cavalo de Tom Cruise, aqui já transformado em Deus da Morte, levanta um tsunami de areia que pouco faz sentido.
A Múmia, porém, tem seus bons momentos. Por ser uma história natural do horror, não espanta que o filme tenha encontrado as suas melhores cenas quando o roteiro dialogou com o terror. Era ali que o clima de mistério combinava com a ambientação soturna dos arredores de Londres em cenários florestais e de igrejas cruzadas que pouco conversava com o restante da história. A realidade do filme seria muito melhor se este enxugasse a sua própria origem, envolvendo menos fatos históricos (no caso a mescla entre a história do Egito Antigo com os Cruzados) e se centrasse em ser algo menor, mas conciso.
Mesmo com tantos problemas na execução das boas ideias do Dark Universe, é possível tirar uma cena ou outra (vide a queda do avião, que é de longe a melhor sequência do filme), pois A Múmia entrega a sua criatividade em prol do entretenimento, o que mercadologicamente não é ruim, mas faz com que o longa se diminua perante ele mesmo, enquanto ele tenta ser grande demais aos olhos do público. Somado a isso, há a bagunça sonora, que não se pode chamar de edição ou mixagem de som, pois aqui o barulho produzido por tantas sequências de ação soa mais como um incômodo do que o som propriamente dito – salvando, novamente, a cena do avião, que, tecnicamente, também é a melhor do filme todo. No fim, A Múmia mostra que o alarde feito com o anúncio do tal Dark Universe, na prática foi apenas mais do mesmo.
Avaliação
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