
Depois de Retratos Fantasmas (2023), Kleber Mendonça Filho retorna para a ficção, saindo do interior de Bacurau (2019) para o Recife da década de 1970. A sequência de abertura de O Agente Secreto coloca o personagem de Wagner Moura nessa direção, ao mesmo tempo em que dita o tom da narrativa que começa a ser apresentada.
“Nossa história se passa no Brasil de 1977, uma época cheia de pirraça“, aparece na tela logo no começo do filme, introduzindo o que virá a seguir. Ambientado no perído da ditadura militar, o filme constrói um olhar autêntico do período ao acompanhar um protagonista e um grupo de pessoas comuns perseguidas por algum motivo.
Embora estabeleça isso como pirraça, é necessário entender o que está nas entrelinhas dessa história e do próprio significado da palavra. O Agente Secreto não é um filme de espionagem, mesmo que parte da sua trama carregue elementos deste tipo de narrativa. O homem em fuga, um empresário branco privilegiado que usa o poder que tem para conseguir o que quer – por mais mesquinho que seja o seu objetivo -, capangas, assassinos de aluguel e um abrigo diverso, composto por pessoas vivendo mentiras para sobreviver. Tudo isso integra a teia tecida por Kleber Mendonça Filho.
O cineasta dirige e escreve o longa-metragem. Com isso, seu estilo narrativo e linguagem se sobressaem. No entanto, o filme que representa o Brasil no Oscar, impressiona também pela técnica. A cinematografia assinada por Evgenia Alexandrova, a direção de arte de Thales Junqueira, o figurino de Rita Azevedo, entre outros setores da produção, ajudam a tornar O Agente Secreto realidade.

Assim como muitas atividades da vida cotidiana, cinema não se faz sozinho, e para que o diretor pernambucano realize seu novo exemplar, foi necessário o trabalho destes e de outros profissionais que elevam a qualidade da obra. Mais uma vez, o Brasil se destaca pela qualidade de produção do filme escolhido para representar o país na premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Além da técnica, a história de O Agente Secreto chama a atenção pela roupagem e pelo conteúdo. Divida entre a reconstrução histórica do Recife de 1970 e o resgate do passado realizado pelos historiadores de hoje, o filme discute a pesquisa científica do Brasil, a produção de saberes e a influência econômica na produção e retenção de conhecimento.
Neste sentido, o olhar de Kleber Mendonça Filho é essencial. Embora não retrate o nordeste como um todo ao concentrar sua trama no Recife, o cineasta foge do olhar que coloca as pessoas da região em posições de inferioridade. O Agente Secreto observa seus personagens como produtores de conhecimento, que pensam a tecnologia e combatem a injustiça. São pessoas que pensam, que agem e combatem.
Neste sentido, o filme encontra parte de sua força na personalidade dos personagens, especialmente nos coadjuvantes. Tânia Maria, que interpreta Dona Sebastiana, a proprietária da casa de refugiados, demonstra potência na natureza espontânea de respostas rápidas e diretas com um timing equilibrado. O mesmo vale para a aparição de Alice Carvalho, que impõe a força da sua personagem em cenas rápidas, mas importantes para a narrativa.

O núcleo de personagens secundários, marcado pela reunião de um grupo de pessoas que por motivos diferentes tentam fugir do Brasil é um dos corações do filme. Sem dúvida, O Agente Secreto envolve principalmente pela história dos seus personagens.
Cotado em diversas prévias para uma possível indicação de Melhor Ator no próximo Oscar, Wagner Moura não tem o papel mais marcante da carreira. Apesar disso, demonstra o talento que tem ao viver um homem perseguido, por motivo pirracento, afinal, Armando afronta o empresário sudestino, que por sua vez ao ser desafiado diante de sua podridão decide que é melhor eliminar aquele que não lhe obedece ou aceita suas afrontas.
Na trama, moldada como um thriller de espionagem, o diretor cria uma ponte com o presente que modifica os rumos da história. A partir disso, Kleber Mendonça Filho assume riscos ao dar para a narrativa uma nova construção de sentido. Inicialmente, a curiosidade é instigada, afinal, além dos rumos da trama que envolve a vida de Armando/Marcelo, agora há também um mistério que coloca esse novo enredo e os espectadores em locais semelhantes.
O Agente Secreto é um filme com muitas ideias que se entrelaçam em uma mistura de elementos de diferentes gêneros capazes de envolver o público. Quem admira o trabalho do diretor, tem a chance de ver sua nova obra como um exercício da própria linguagem do cineasta. Além dos diversos pensamentos expostos, o longa-metragem é essencialmente um filme de significados que ficam evidentes conforme a trama se desenvolve.

Com isso, O Agente Secreto fisga o público com o inesperado. Não é divertido como um entretenimento barato, mas deixa sua leveza entranhada em sua trama, como uma faísca de esperança. Indo de acontecimento em acontecimento, o filme atinge o espectador de diferentes maneiras, seja pelo choque do absurdo ou pela reflexão sobre o Brasil que já foi ou continua sendo, entre os vícios históricos das dinâmicas de poder até a resistência intrínseca que há muito tempo tenta combater essa lógica de privilégios.
Não há pecados cometidos pelo longa-metragem, mas os riscos que a história assume podem ditar os caminhos que ela irá percorrer quando em contato com a audiência. Seja pela lógica própria ou pela tentativa de envolver, O Agente Secreto é o tipo de filme que tem muito a dizer. O novo título da filmografia de Kleber Mendonça Filho coloca o diretor em um local de coragem e ousadia por assumir os riscos de realizar um filme de personalidade que leva a si para onde quer que seja como resultado das próprias escolhas. O que para uma obra cinematográfica faz todo sentido.
Assista ao trailer de O Agente Secreto
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