Entre 2002 e 2004 fui apresentado, ainda na Sessão da Tarde, a um dos filmes mais fantásticos e simplórios que já assisti: Edward Mãos de Tesoura. Não há muito o que falar, a não ser que despensa qualquer tipo de apresentação. Este, lançado em 1991 no Brasil, foi o início da melhor década de Tim Burton, que a partir do início dos anos 2000 começou a perder um pouco do encanto, se reacendeu em algumas obras, mas de uns anos para cá tudo o que ele faz é apenas repetição daquilo que já consegui criar. O Lar das Crianças Peculiares sofre um pouco com esse efeito, e com a era de pouca criatividade e vacas magras do diretor.
Sem muitos rodeios, O Lar das Crianças Peculiares é bom, mas não passa disso, faltou ousadia e aquele algo a mais (a cima da média) que se esperava do longa. A história é boa, de fato, nada muito maravilhoso, mas é boa o suficiente para render um filme melhor, ainda mais por ter Tim Burton como diretor.
A fase de Burton não é a melhor de sua carreira, nem a pior, o problema é que sempre se espera muito mais do ele vem oferecendo. A direção, de modo geral, é boa, pois a fantasia é muito bem filmada, tem uma fotografia interessante que relembra os filmes iniciais da sua carreira, com poucas cores, mas nada tão escuro como este foi em alguns momentos. Com seus recentes Alice no País das Maravilhas e o mediano Alice Através do Espelho, o diretor vinha em uma maré de exageros de cores. Desde que fez o remake de A Fantástica Fábrica de Chocolate em 2005, parece que seus filmes se resumiam em exaltação de cores, com exceção ao musical Sweeny Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet em 2007, que tinha um tom bem diferente. Até mesmo o divisor de águas que tivemos em Sombras da Noite, que tinha tudo para ser um ótimo remake também, acabou sendo uma mescla de escuridão e cores vibrantes e extravagantes.
Os efeitos, das crianças peculiares, são bons, fazem jus a proposta da fantasia. O gênero fantástico é bem trabalhado no longa, mas tem uma história que inicialmente possui sequências introdutórias muito longas que poderiam ser mais enxutas. De cara nós começamos a ver jornada do herói sendo construída em cima de Jake (Asa Butterfield). O protagonista não é tão cativante, Butterfield, embora novo, já fez coisa melhor – nem preciso citar O Menino do Pijama Listrado. O jovem cresceu em um mundo de fáculas contadas pelo seu avô, que também era um peculiar. A jornada consiste com Jake tentando reconstruir os paços do avô até descobrir a verdade sobre si mesmo e embarcar de vez em uma perigosa aventura para salvar seus amigos.
Mesmo com méritos, o longa tem problemas e um deles é o excesso de personagens apáticos. Isso é algo que vem acontecendo com frequência nos filmes de Tim Burton, que são filmes teoricamente vibrantes, mas com personagens quase sem vida ou sem expressão (vejam em Alice No País das Maravilhas, que tem uma protagonista fraca e apática). Tudo isso se repete em O Lar das Crianças Peculiares, pois mesmo tendo um protagonista determinado a sua expressão e presença vital são muito pequenas. Elle Purnell dá vida a Emma, a peculiar que flutua, que é uma personagem interessante, mas com pouca vida e que fica muito refém de um envolvimento amoroso. Emma é quase igual a Alice (do País das Maravilhas), tanto na personalidade, um pouco mais desenvolvida na garota peculiar, como também no visual.
Verdade seja dita, os conceitos ficam no meio termo, são bons, mas nem sempre funcionam. O longa acabou não tendo identidade própria, em alguns momentos temos referências e em outros ficamos perdidos, sem saber se é uma referência ou o caminho seguido pelas crianças peculiares é o mesmo de Edmundo, Pedro, Susana e Lúcia como em As Crônicas de Nárnia (sendo Eva Green o Aslam da história). Como se não bastasse, em outro momento, ainda mais confuso, parecia que na tela havia uma cena de Piratas do Caribe. Em outros momentos a obra fez referência a arte e aos efeitos usados na construção da maravilhosa animação A Noiva Cadáver. Isso mostra um conflito de ideias, parece que O Lar das Crianças Peculiares é tão dependente daquilo que já foi feito, não sendo capaz de criar algo novo, e acaba não tendo uma identidade própria.
O elenco de apoio é bem fraco, principalmente a participação medonha de Kim Dickens – a atriz é um dos pontos fracos de Fear The Walking Dead -. Por outro lado Eva Green rouba a cena, atriz sabe muito bem o que faz e de longe tem personagem mais vital da história. Pode estar sendo cansativo bater na mesma tecla, quanto aos filmes de Burton repetirem a fórmula. Mas façamos a seguinte comparação, em Alice no País das Maravilhas os problemas são parecidos, uma protagonista apáticas, personagens secundários fracos, mas com dois atores/personagens que roubam a cena: Chapeleiro Maluco e a Rainha Vermelha (ou cabeçuda), Johnny Depp e Helena Bonham Carter. Isso acontece no novo longa de Burton, Eva Green é sensacional e mostra isso, mas Samuel L. Jackson demora muito para entregar um bom vilão. O personagem demora de mais para ficar de acordo com a história e ter uma personalidade mais aceitável, admito que a atuação de Jackson deixa muito desejar.
As crianças peculiares demonstram pouca peculiaridade, fato. Todos os seus poderes são facilmente associáveis a personagens de outros filmes, histórias como Peter Pan, As Crônicas de Nárnia e outras fantasias se fazem muito presentes durante toda a história. Isso incomoda, pois mais uma vez falta personalidade e originalidade em O Lar das Crianças Peculiares.
A magia de Burton como um bom contador de história, tanto em desenvolve-las como fazer delas obras encantadoras, foi se perdendo ao longo dos anos, já é um milagre vermos um filme dele sem Depp e Bonham Carter, mas talvez, só talvez (pois quem sou para dizer), seja a hora de se reinventar, refletir e mudar. Potencial e talento sobram para Burton, ele é sim um bom diretor, na minha opinião é claro, mas o seu momento atual está abaixo daquilo que um dia ele já foi.
A adaptação da obra original de Ransom Riggs é bem feita (o longa é bem feito, não estou falando de fidelidade ao livro, pois a crítica é apenas sobre O Lar das Crianças Peculiares dos cinemas), um filme “redondinho”, que não evitar um final normal e nem consegue ser encantador ao longo de sua narrativa. O Lar das Crianças Peculiares foi pouco peculiar, pouco original, e fez pouco se comparado com aquilo que era esperado. Torço para que os dias de Tim Burton sejam melhores e que os bons tempos de seus grandes filmes um dia retornem, se não o diretor estará fadado a seguir um caminho de decepções e quebras de expectativas.
Avaliação
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