Baseado em Fatos Reais é um filme complicado. Antes da sua história, há de um lado o seu diretor, constantemente acusado de estupro/abuso sexual, Roman Polanski, e de outro duas atrizes, Eva Green e Emmanuelle Seigner, que não merecem ter seus talentos diminuídos pelos erros do diretor em sua vida pessoal (pública). Elas, aliás, são o que o filme têm de melhor, já que Polanski, como diretor, não traz grande novidade ao contar uma história de narrativa confortável.
Delphine (Seigner) é uma grande escritora que está na turnê do seu novo best seller, Elle (Green) uma ghostwritter de livros autobiográficos de figuras públicas. As duas se conhecem em um cenário cotidiano, e com olhares diferenciados uma conquista a confiança da outra, mesmo que em tela tudo cause uma certa estranheza. Polanski tem um jeito peculiar de capturar suas personagens, onde sempre há uma com um pé na realidade e a outra totalmente fora disso. Esses são os papéis que Seigner e Eva Green desempenham, respectivamente.
Roman Polanski sabe que com isso pode criar certas expectativas no espectador, que, por méritos das atrizes, se vê rapidamente envolvido na história. A composição visual da personalidade das personagens é ainda mais interessante: Delphine não é uma mulher muito vaidosa, usa calças jeans levemente desbotadas, uma camiseta cinza larga (daquelas de se usar nos finais de semana), maquiagem básica, mas sempre bem apresentável; Elle, ao contrário, é vaidosa, sensual, tem maquiagem e cabelos bem feitos, roupas de grife e aparece sempre muito elegante.
Assim, Delphine e Elle são, inicialmente, opostos, uma (Delphine) que em meio a sua desordem consegue se organizar e a outra (Elle), ao contrário, parece compulsiva por organização, com post-its criando linhas de pensamentos e tudo mais. Dentro disso, há ainda os apartamentos: um mais rústico, com a ausência de cores e texturas, mas charmoso de um jeito próprio; o outro elegante, contemporâneo, vivo e muito chamativo. Mas o mais importante dentro de todas essas composições está um detalhe importante, peça chave de toda essa história, o vermelho.
A cor insiste em aparecer em roupas, batons, unhas, pequenos detalhes de cena, farol de automóvel, enfim, inúmeras vezes. Ao pensar em sua simbologia, o vermelho é rapidamente ligado ao amor, mas não é isso que ele significa aqui. Outras palavras que podem definir sua significância são desejo e obsessão, a primeira, no entanto, não está ligada de fato ao desejo sexual, já que aqui é associada a obsessão – sendo mais seguro dizer que ambas as partes tentam ser e ter aquilo que elas desejam.
Desenvolvendo essa relação de posse, desejo, obsessão, invasão e domínio, Baseado em Fatos Reais é um filme eficiente em suas manipulações. Rapidamente ele cria expectativas que logo são subvertidas que em seus rumos e acabam surpreendo o espectador. Eva Green, com toda sua psicose e olhar penetrante, ao lado de Emmanuelle Seigner, com seu charme discreto e vulnerabilidade, são o centro das atenções e embalam o interesse do público nessa história intrigante.
Roman Polanski dirige o filme de forma confortável, não se arrisca na narrativa e a desenvolve com naturalidade. O senso de estranheza que ele passa ao espectador, que entrega desconfiança na troca, é natural e característico da sua assinatura. O ápice dramático também embarca nesse mesmo ritmo, mas com um carácter de alucinação que só Roman Polanski consegue proporcionar – algo muito particular da sua filmografia.
Baseado em Fatos Reais não reflete a genialidade de um diretor, hoje, de figura intragável, mas traz o que este ainda sabe fazer, o que por si só está acima da média. Se em sua execução consegue encontrar bons momentos, nas atuações de suas protagonistas o longa exibe o que tem de mais competente. Emmanuelle Seigner e Eva Green tornam Baseado em Fatos Reais um filme muito mais interessante, pois é a química entre elas que exalta, com tanta perfeição, tudo o que o filme quer nos mostrar. E a julgar pela característica da história e personalidade das protagonistas, dificilmente Roman Polanski teria um cast tão genuíno para encarnar suas personagens.