Imagem do filme de terror A Primeira Comunhão
Cena do filme de terror espanhol "A Primeira Comunhão". | Imagem: Divulgação / Paris Filmes.

Há alguns anos a franquia Invocação do Mal deixou explícito algumas regras básicas para filmes de possessão demoníaca. A estratégia era muito simples: dar ao espectador subsídios para se envolver ainda mais com as histórias, que naquele caso eram inspiradas em casos reais, enquanto procuravam os sinais básicos de uma possessão – roxos no corpo, batidas fortes em madeira e acordar em um horário específico durante a madruga, além dos acontecimentos sem explicação, estavam inclusos no pacote. Desta forma, Invocação do Mal desmistificou a narrativa clássica deste tipo de história, o que afeta filmes como o terror espanhol A Primeira Comunhão.

O lado ruim disso tudo é a previsibilidade que, dependendo de cada indivíduo, pode ser boa – no sentido de tornar a experiência mais divertida – ou ruim – tudo muito óbvio e sem graça. O terror espanhol A Primeira Comunhão, por sua vez, usa estes maneirismos de forma muito clara. A intenção também é evidente: brincar com o suspense e a expectativa do público.

Na história do longa-metragem dirigido por Víctor Garcia, a jovem Sara (Clara Campra) e sua família são recém-chegados em uma pequena cidade do interior da Espanha. Ainda se familiarizando e conhecendo o local, a jovem encontra uma boneca que está ligada há um boato macabro envolvendo uma criança desaparecida da região. A partir disso, uma série de acontecimentos passa a aterrorizar Sara, sua amiga Rebe e outras pessoas próximas.

Há uma atmosfera diferente dos filmes mais tradicionais do gênero. Essa impressão é proveniente do simples fato de se tratar de um filme deslocado do eixo hollywoodiano. A estética visual também é um indício disso, pois neste filme há uma troca das cores frias de tons azuis e cinzas para um cenário levemente mais quente, em tom sépia que destaca principalmente o vermelho – cor geralmente ligada a morte.

Imagem do filme de terror A Primeira Comunhão
Sara (Carla Campra) em cena do filme de terror espanhol “A Primeira Comunhão”. | Imagem: Divulgação / Paris Filmes.

Embora saia do eixo mainstream, narrativamente o filme segue os mesmos passos de qualquer outro. Há um prólogo que mostra as ações do espírito, depois o espectador conhece os principais personagens e as suas respectivas vidas, até que eles entram em contato com o espírito zombeteiro. A partir disso, os personagens buscam entender o que está acontecendo e investigam a história, procurando uma forma de encerrar o ciclo macabro que os aterroriza.

O filme ainda trata de temas próximos do mundo real, como a relação de um pai alcoólatra e violento com a filha, assim como de pais superprotetores. Isso tudo, porém, não é como se fosse um pano de fundo importante para a história, mas ajuda a entender o contexto de horror em que as personagens estão inseridas. Além disso, há a evidente ligação com a religiosidade, afinal, os eventos macabros acontecem, novamente, após uma primeira comunhão.

Ao longo da história, o filme escolhe justificativas fracas para guiar sua narrativa e não esconde que segue os caminhos mais fáceis e recorrentes desse tipo de história. Isso simboliza, também, o desperdício de oportunidades que levariam a trama a um caminho mais coerente, sobretudo quando o longa embarca no passado da figura diabólica.

O mesmo se repete na direção de fotografia, que faz o básico e pouco aproveita as cenas em que se propõe brincar com a expectativa do público. No entanto, no ato final, há uma passagem interessante. O filme tenta dar um traço humano, ou sensível, para a figura demoníaca.

Isso lembra o recente Noites Brutais, ou Barbarian no idioma original, quando o diretor Zach Cregger humaniza a figura monstruosa que aterrorizava os personagens do filme. No entanto, em A Primeira Comunhão, Víctor Garcia é audacioso ao fazer do final o início de um próximo capítulo. Isso subverte a lógica da narrativa clássica dos filmes de possessão, que geralmente acabam com um desfecho fechado.

Imagem do filme de terror A Primeira Comunhão
Rebe (Aina Quiñones) em cena do filme de terror espanhol “A Primeira Comunhão”. | Imagem: Divulgação / Paris Filmes.

O final aberto, ao estilo “começo do fim”, é uma aposta bastante ousada de Garcia e da dupla de roteiristas, Alberto Marini e Guillem Clua, que promovem uma parte dois para concluir a história. É interessante pensar que a própria investigação feita pelos personagens, frente a este encerramento, demonstra que há mais caroço neste angu.

Filmes de terror com possessão demoníaca, cheios de sustos e suspense, podem ser um prato cheio para o entretenimento alheio. Mesmo que cumpram de forma leve um papel social de reflexão, ainda assim garantem a diversão. Embora a história se sustente de forma frágil, A Primeira Comunhão pode compensar com seus sustos e gancho final. Ruim será se a conclusão da história não acontecer, afinal, A Primeira Comunhão não foi feito com uma trama de começo, meio e fim.

Avaliação
Regular
6.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.