A cena mais importante de Oppenheimer acontece depois de uma noite de forte tempestade. O evento climático poderia ser o sinal de um Deus onipresente para o Prometeu que vagava pela Terra. E a mensagem conteria um presságio para algo ruim, ou o aval deixado pelo céu aberto, após o temporal, para o que estava prestes a acontecer.

Oppenheimer, o novo filme de Christopher Nolan, dedica suas mais de três horas de duração para construir uma epopeia sobre a confecção da bomba atômica. O artefato seria o mesmo utilizado em Hiroshima e Nagazaki, no Japão, para dar fim a Segunda Guerra Mundial. Além disso, o longa-metragem mostra a formação do Projeto Manhattan, divisão do exército criada para desenvolver a bomba.

Com isso, além de carregar o sobrenome daquele que é considerado o pai da bomba atômica, J. Robert Oppenheimer, o longa-metragem é baseado no livro “Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano” de Kai Bird e Martin J. Sherwin. A obra é tida como a biografia mais profunda e completa do físico quântico, fruto de um trabalho de 25 anos de pesquisa.

Com este background, é óbvio que Oppenheimer apresenta muitos esforços para construir a figura de J. Robert Oppenheimer. Nolan trata o protagonista com muito cuidado, seja no texto que conduz a atuação poderosa de Cillian Murphy ou nos recursos visuais.

Oppenheimer reúne o que há de melhor na filmografia do cineasta: som e imagens impecáveis que garantem aos espectadores uma experiência sensorial singular. O som, assim como em filmes como Dunkirk (2017), desempenha um papel narrativo muito importante. Mas é na condução emocional dos acontecimentos que o desenho de som do longa-metragem se sobressai.

Filme Oppenheimer
Emily Blunt como Kitty Oppenheimer no filme Oppenheimer, escrito, produzido e dirigido por Christopher Nolan. | Crédito: © Universal Pictures.

O aparato visual também é uma marca de nos filmes dirigidos por Christopher Nolan. Seja pela fotografia de cores sóbrias e atraentes que seus colaboradores utilizam (aqui a cinematografia leva a assinatura de Hoyte Van Hoytema) ou pelo espetáculo promovido pelos efeitos práticos adotados pelo cineasta.

Outra marca de Nolan está no uso da tecnologia para a obtenção do melhor resultado estético. O rolo do filme, por exemplo, pesa cerca de 300kg e se prolonga por quase 18km. Além disso, Oppenheimer não contou com o uso de CGI em nenhuma cena e teve lentes desenvolvidas para as câmeras especificamente para atender as necessidades do diretor. A Kodak, por sua vez, desenvolveu um tipo de filme específico para que, pela primeira vez, um filme fosse filmado em preto e branco com uma câmera IMAX.

Com este tipo de aparato, Nolan consegue chamar a atenção do público para o seu novo filme. A inventividade do cineasta para atingir o resultado visual desejado obviamente funciona na tela. Para o público que tiver a oportunidade de consumir o filme da melhor forma possível, tudo isso certamente fará diferença. A tela IMAX, por ter dimensões maiores que a da projeção comum, proporciona uma potente imersão.

Outro ponto que chamou a atenção durante a divulgação do filme foram as notícias sobre cenas de nudez, que sempre geram muitos debates. Narrativamente algumas dessas cenas contribuem com a história do filme ou com o contexto em que se encaixam. No entanto, nem todas parecem ser necessárias ou acrescentam algo relevante a Oppenheimer – apesar disso, conseguem transmitir elementos interessantes sobre os personagens envolvidos.

Ainda assim, o material de Christopher Nolan é muito rico, mas fica claro que a intenção é explorar um lado específico de Robert Oppenheimer. Ele não ignora outros detalhes que humanizam o físico quântico, mas deixa claro a irrelevância de alguns pontos importantes sobre ele. A ideia, certamente, era construir uma imagem e história de redenção.

Filme Oppenheimer
Cillian Murphy como J. Robert Oppenheimer no filme Oppenheimer, escrito, produzido e dirigido por Christopher Nolan. | Crédito: © Universal Pictures.

Isso acontece porque durante o processo de confecção da bomba, Oppie (como é chamado o personagem) entende o poder de destruição do artefato. Essa é uma jornada que sustenta boa parte da história do personagem, que vive momentos diferentes durante a narrativa. E é ao saber do poder que tem em mãos que surgem os conflitos que dão corpo ao que o filme tem de mais potente em sua história.

Por outro lado, além dessa construção biográfica, Oppenheimer ainda divide sua história em outros dois núcleos, que tornam a trama também em um suspense político. Isso atende outra característica que compõe a identidade dos filmes de Christopher Nolan, que é desmontar sua história e contá-la através de uma linha temporal não linear.

É nesse quesito que Oppenheimer balança. Enquanto os esforços do épico conduzem o espectador para uma experiência sensorial singular no espetáculo visual do diretor, a trama política é intrigante até o seu desdobramento. A história trata da ascensão e da queda de Oppenheimer, e embora não seja surpresa por ser de conhecimento público, o diretor e roteirista não faz as melhores escolhas na construção do seu plot twist.

Com isso, embora Oppenheimer exalte o que Christopher Nolan tem de melhor, o longa ainda dá conta de reforçar que o diretor e o roteirista, apesar de serem a mesma pessoa, não estão no mesmo nível. É fato, porém, que este filme mostra que Nolan entende cada vez mais o cinema que se propõe a fazer, mas esse entendimento não significa evolução – pelo menos não na confecção narrativa do roteiro.

A partir disso, fica evidente que somente o aparato técnico e estético não bastam. É necessário um texto refinado e decisões narrativas melhor elaboradas durante a construção dos desdobramentos mais cruciais do filme. Em Oppenheimer, isso acontece porque o miolo do longa tem uma qualidade discrepante se comparado com as escolhas da parte final.

Com isso, a potência exuberante do momento mais tocante e perturbador do longa não é acompanhada pela forma agridoce que Nolan escolhe para encerrar sua história. Não se trata do que acontece, afinal não há como mudar a história, mas é sobre o como isso acontece no filme.

Filme Oppenheimer
Roberto Downey Jr. como Lewis Strauss no filme Oppenheimer, escrito, produzido e dirigido por Christopher Nolan. | Crédito: © Universal Pictures.

Logo, o esmero que o cineasta tem com todos os elementos técnicos e plásticos das cenas precisa estar presente no roteiro também. Se houver um equilíbrio maior entre estes dois âmbitos, Nolan dará um passo importante rumo ao que pode ser o ápice verdadeiro do seu cinema.

Para além da técnica e do roteiro, Oppenheimer conta com um elenco estelar – outra característica importante dos filmes de Nolan. O destaque nas atuações, é claro, fica com Cillian Murphy, que depois de integrar outros cinco filmes de Christopher Nolan, o astro da série Peaky Blinders ganha, enfim, protagonismo em grande escala. E no filme ele mostra que foi a melhor escolha para o papel.

Ao lado dele está Robert Downey Jr., outro destaque importante do longa-metragem. Por boa parte da projeção o ator consegue conter maneirismos característicos das suas mais recentes atuações, criando uma interpretação completamente nova para viver Lewis Strauss. No entanto, todo este trabalho controlado por Downey Jr. parece perder a força conforme o próprio personagem é levado ao seu limite, o que não reduz a qualidade do trabalho realizado pelo ator.

Além da dupla de protagonista e antagonista, há outros nomes que elevam a dramaturgia de Oppenheimer. Emily Blunt, que interpreta a esposa do físico, sofre com consequências dos atos do marido, gerando-lhe descontroles emocionais muito potentes. Gary Oldman que aparece em apenas uma cena faz a sua presença uma das mais potentes e absurdas do filme. O mesmo serve para Casey Affleck.

Apesar dos deslizes, Oppenheimer não deixa de ser menos grandioso e aterrorizante do que é. O épico e o suspense funcionam como rótulo, mas se há créditos que a obra cinematográfica merece é de que é um filme potente na maior parte do tempo.

Como de costume, Christopher Nolan entrega um longa-metragem grandioso. Sua filmografia ganha, com Oppenheimer, mais um grande exemplar. Para o futuro, o cineasta precisa combinando a excelência visual com o roteiro que ele mesmo escreve. Mesmo assim, Nolan parece ter uma visão cada vez mais madura sobre aquilo que quer fazer.

Oppenheimer não é a história da bomba atômica, é na verdade retrato da soberba, do ego, da arrogância e da ganância dos homens que acreditam ter em suas mãos o poder absoluto e inquestionável do mundo.

Avaliação
Muito bom
8.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.