História envolvente e ótimos personagens embalam a adaptação
Assassinato no Expresso do Oriente é uma das adaptações literárias para o cinema mais badaladas e aguardadas de 2017. A missão do filme era “só” ser digno de sua criadora, Agatha Christie, a Dama do Crime, e a maior referência dos locked room (ou, o mistério do quarto fechado) da literatura mundial. A tarefa ficou nas mãos do ótimo (ator) Kenneth Branagh (um diretor bastante interessante), e de modo geral, Assassinato no Expresso do Oriente chega ao seu objetivo com uma visão contemporânea e elegante da história original.
Antes de tudo, a adaptação é visualmente charmosa, os cenários (mesmo sem o seu potencial explorados) e os figurinos destacam o belíssimo design de produção, que é um verdadeiro alento durante a projeção. A história, no entanto, é bem simples: uma avalanche atinge o Expresso do Oriente, tirando o trem dos trilhos e fazendo todos os passageiros aguardarem por ajuda. Porém, neste meio tempo, ocorre um assassinato, e por acaso Hercule Poirot (Branagh), o melhor detetive do mundo, era um dos passageiros e se propõe a resolver o caso.
Assassinato no Expresso do Oriente é um filme malandro, que vai jogando suas informações de forma proposital e suas artimanhas manipuladoras vão além de apenas enganar o espectador ou de lhe oferecer falsas conclusões. Inicialmente o trabalho de construção da trama é muito eficiente, apresenta os personagens (todos deixando uma pulga atrás da orelha) e apresenta aos poucos o Expresso do Oriente, fazendo deste um personagem importante do filme. No entanto, assim como tudo isso funciona em um primeiro momento, Assassinato no Expresso do Oriente faz com que esse personagem (o trem) perca a sua presença de cena quando o diretor se importa mais com os ângulos e enquadramentos exóticos (visualmente muito bonitos) ao invés de trabalhar, junto, a misè-in-scene como um todo, agregando ainda mais a sua história.
Mas isso não é, exatamente, um erro ou uma falha, trata-se de uma escolha feita pelo próprio diretor, que apesar disso, consegue compensar o espectador com o roteiro ajustado e as ótimas atuações do grande elenco com quem ele divide as cenas. Aliás, além de conduzir muito bem a narrativa do filme, Kenneth Branagh ainda é um ótimo Hercule Poirot, conseguindo trazer uma interpretação marcante e profunda do personagem – apresentando um completo entendimento do momento que Poirot vive durante o filme.
Poirot precisa demonstrar o quão genial ele pode ser, e isso é o que o protagonista faz logo de cara na abertura do filme. Branagh não se contenta apenas com isso – caso contrário seria só um Sherlock Holmes com nome e visual diferentes -, o diretor dá profundidade e conflitos ao personagem, que mesmo gostando da atividade se mostra cansado e precisando de descanso. Os conflitos de aceitar sua atual condição e o caso são trabalhados funcionam organicamente no filme, Hercule Poirot subverte de forma simples a jornada do herói – mesmo assim, não há a necessidade de contar a origem do personagem, pois ele já é “auto estabelecido” dentro do próprio enredo, mas isso não impede que peças sedutoras sobre o seu passado sejam adicionadas ao filme.
O elenco de apoio, que acompanha Hercule Poirot, funciona perfeitamente dentro daquilo que o filme pede, mas é inegável que os personagens latinos ficaram de escanteio dentro da história (Penélope Cruz e Manuel Garcia-Rulfo), que aborda temas como racismo, segregação racial e xenofobia. Apesar disso, quem brilha realmente é Michelle Pfeiffer (que já havia se destacado no controverso Mãe!), seguida da impecável Daisy Ridley. O terceiro ato é onde o elenco é mais exigido, sendo possível destacar as melhores atuações em dificilmente Pfeiffer, Ridley e Branagh seriam ultrapassados por outros membros do elenco (que traz ainda Johnny Depp menos automático do que o costume, a promissora Lucy Boynton, o ótimo Willem Dafoe, entre outros nomes).
Assassinato no Expresso do Oriente é um longa muito bem realizado, e como filme de investigação traz um resultado mais do que satisfatório. O longa tem um formato diferente do convencional, traz uma abordagem pitoresca e fantasiosa (graciosamente bem-vindas) e consegue, ao mesmo tempo, intrigar e divertir o espectador. O filme também não tenta fazer o público sentir algum peso, de fato, sobre o ocorrido. Suas intenções são mais simples, pois sua única pretensão é construir um caso de assassinato enigmático que somente Hercule Poirot seja capaz de resolver – e a junção caso/protagonista é bastante envolvente. Enigmático, talvez, seja o clima que perdura durante quase todo o filme, sendo este o elemento que mantém o espectador conectado com a história.
Mesmo sem fazer do crime um caso devidamente pesado, o “peso” dramático é uma crescente constante que aparece junto aos desdobramentos da história, e apesar desta ter quase 100 anos de criação (o livro que baseia o filme foi publicado em 1934), a surpresa no final é gratificante e não menos emocionante. Sua conclusão conflitante é o ingrediente mais importante que faz de Assassinato no Expresso do Oriente um belíssimo filme, completo naquilo que quer atingir.
Assassinato no Expresso do Oriente não comete pecados, faz escolhas que as vezes não agradam (como a trilha sonora de Patrick Doyle, que além de incomodar em alguns momentos, mostra a incapacidade do filme transmitir aquilo que ele quer por vontade própria, e assim, adicionando de forma redundante e pouco bem-vinda as sensações que o filme, como obra cinematográfica, deveria proporcionar para o público, ou seja, sem capacidade de fazer isso, a trilha sonora força sensações artificiais em quem está assistindo). As escolhas definem o que Assassinato no Expresso do Oriente realmente é, mas mesmo que nem todas sejam as melhores, Kenneth Branagh consegue garantir uma uma história envolvente, com personagens caricatos e sempre instigantes que movimentam a deliciosa história de Assassinato no Expresso do Oriente.
Avaliação
[yasr_overall_rating size=”medium”] (Ótimo)