Jessica Jones encerra de vez o ciclo da parceria entre Marvel e Netflix. Foram poucos anos e um número considerável de temporadas. Todas elas, inclusive, não tiveram unanimidade, algumas foram divisivas, outras muito criticadas, e poucas elogiadas.
Uma das principais reclamações que essas séries recebiam eram relacionadas ao número de episódios de cada temporada, ou ao ritmo e a pouca história que tinham para sustentar tantos episódios. Independente disso, a Netflix sempre defendeu esse formato, exceto em Os Defensores, pequeno evento de oito episódios que reuniu os heróis da parceria.
Dentro desse universo, apenas Demolidor conseguiu ter uma vida mais estável. A história de Jessica Jones, no entanto, não traz a mesma comodidade. A primeira temporada, que contava com o principal vilão da personagem, Kilgrave (David Tennant), e temas relevantes, como relacionamento abusivo, é de longe a que mais agradou público e crítica. O segundo ano é inconsistente, a série apresenta um início de temporada arrebatador, mas não tem fôlego para sustentar uma história envolvente por 13 episódios (leia a crítica da 2ª temporada).
Já a terceira temporada é surpreendentemente agradável. Depois de apresentar um segundo ano cuja história foi totalmente esticada, era difícil acreditar que o último pudesse mostrar algo bom. Marvel – Jessica Jones subverte essa expectativa e consegue entregar uma temporada que sustenta sua história.
No retrospecto das séries da Marvel na Netflix, apresentar uma temporada consistente sempre foi um desafio muito grande, e cumprir isso significa um bom resultado. Ao longo dos 13 episódios da temporada final, a série não deixa a peteca cair e mesmo quando a trama balança, Jessica Jones encontra boas soluções.
O ano três apresenta uma Jessica (Krysten Ritter) muito mais madura, consequência direta do que acontece nas temporadas 1 e 2 – um mérito bastante estimável do roteiro, pois em momento algum a jornada contra Kilgrave ou a morte da mãe ficam de fora da história. Em sua terceira temporada, Jessica Jones consegue, além disso, definir ainda mais a sua identidade.
A respeito dessa identidade, há aqui mais um mérito de Jessica Jones. A série solo da personagem é assumidamente sobre uma detetive, no principal, e desde a primeira temporada buscava aperfeiçoar o seu formato narrativo. A composição trazia os pensamentos de Jones como um dos principais elementos que constroem o caráter noir da série.
Na terceira temporada, então, Marvel – Jessica Jones chega ao ápice desse formato. A trilha sonora remete a filmes antigos do gênero noir e com os pensamentos, não apenas de Jessica, como narrações, cria-se a atmosfera que uma série detetivesca precisa. A fotografia desfocada e os ângulos engenhosos dão, ainda, um charme estético bastante original para Jessica Jones.
Entre todas as três temporadas que a personagem ganhou em sua série individual, esta é a mais bem resolvida, não apenas nas características recém citadas, mas também pela própria narrativa. Se na temporada passada a história foi dividida em duas partes, aqui essa cisão não existe. Foram ao todo 12, dos 13, episódios conduzidos por dois fios condutores: Sallinger (Jeremy Bobb), o serial killer, e Trish Walker/Hellcat (Rachel Taylor).
A história de Sallinger, e todo o arco que envolveu o vilão, é um ponto forte na temporada. Mesmo que passe por uma breve resolução e retorne em uma tentativa clara de ter mais história para contar (o que tira força da história da participação do vilão), o enredo do personagem é bem desenvolvido e cria um antagonista que mexe com a cabeça de Jessica Jones.
Por outro lado, assim como Jessica, Trish ganhou uma grande evolução. O final da segunda temporada, que confirma o êxito do experimento realizado com ela, adquire espaço e notoriedade no ano três mostrando o desenvolvimento das suas habilidades especiais. O segundo episódio da temporada, que se dedica especialmente a personagem, é também um dos melhores dos 13 exibidos. Mesmo como flashback, a história é relevante e contextualizar o que a personagem se tornou.
Nota: “A.K.A You’re Welcome”, o segundo episódio da 3ª temporada é dirigido por Krysten Ritter. Nele, a atriz que interpreta a protagonista faz a sua estreia como diretora.
A terceira temporada de Jessica Jones cumpre um papel muito importante para esses personagem. Ela adiciona mais profundidade e os tira de qualquer zona de conforto que poderiam habitar. Os conflitos morais sobre ser um herói ou não, também ganham mais espaço por aqui. Mesmo que sejam dilemas recorrentes, a não é cansativa em Jessica Jones, principalmente pelos argumentos que a série sustenta para justificar essa escolha – isso nada mais é do que uma reverberação do que é discutido em Capitão América 3: Guerra Civil.
Se por um lado é bom desenvolver os personagens dessa maneira, por outro é ruim quando eles não têm mais para onde ir. A série, assim, acaba batendo na mesma tecla, com Malcolm (Eka Darville) e Jeri Hogarth (Carrie-Ann Moss), sendo uma grande prova disso.
Malcolm Ducasse começa a temporada em uma posição dúbia, o que dá uma boa carga emocional ao personagem. O roteiro faz ele sentir o peso dessa discussão moral a partir das suas próprias atitudes. A conclusão, porém, coloca-o de volta ao lugar de onde havia saído. Hogarth, por outro lado, depois de descobrir que tem ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) não sai do lugar.
Em contrapartida, mesmo com um papel relevante a desempenhar em pequenos avanços da narrativa, Horgath serve principalmente para preencher tempo. No entanto, seu início de temporada, com a reaproximação de Kith (Sarita Choudhury) dá fôlego a personagem. Erik Gelden (Benjamin Walker), cara nova na temporada, serve bem a narrativa. Seu retorno, depois de um pequeno sumiço, o deixa deslocado em um primeiro momento e demora para ter serventia a narrativa.
Tendo a história, o desenvolvimento e os personagem como virtudes na última temporada, Jessica Jones deixa uma boa despedida para a protagonista. Ao longo dos 13 episódios, a série mantém o espectador envolvido e intrigado com o que está acontecendo. Apesar de não ser empolgante – algo que não está na intenção de uma série que traz a essência noir em sua composição -, Jessica Jones tem cenas de ação que condizem com o ambiente construído para essa história.
Chega ao fim, com uma boa temporada, a parceria entre Marvel e Netflix. Entre todas as séries desenvolvidas desde 2015 – ano em que o serviço de streaming lançou as temporadas iniciais de Demolidor e Jessica Jones -, a protagonista vivida por Krysten Ritter é a que teve um final mais próximo de algo “conclusivo”. Mesmo aberto, o final de Jessica Jones pode ser chamado de “um final apropriado” para a personagem.