Duna: Parte Dois é um dos principais lançamentos de 2024. O filme de Denis Villeneuve retoma a história de Paul Atreides e traz para o público um romance épico repleto de ação e cenas memoráveis. O longa-metragem conclui a adaptação do livro Duna, escrito por Frank Herbert.
Ficha técnica
Título: Duna: Parte Dois (Dune: Part Two) Direção: Denis Villeneuve Roteiro: Denis Villeneuve e Jon Spaihts Elenco principal: Timothée Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson, Josh Brolin, Austin Butler, Florence Pugh, Dave Bautista, Christopher Walken, Léa Seydoux, Stellan Skarsgård, Charlotte Rampling e Javier Bardem. Data de lançamento: 29 de fevereiro de 2024 (nos cinemas brasileiros)
A história de ‘Duna: Parte Dois’
Duna: Parte Dois explora a jornada mítica de Paul Atreides, agora ao lado de Chani e dos Fremen, que pode levá-los a uma guerra, se necessário for, para Paul se vingar dos conspiradores que destruíram sua família. Diante da difícil escolha entre o amor de sua vida e o destino do universo conhecido, ele dará tudo de si para evitar o futuro terrível que só ele pode prever.
Assista ao trailer:
Crítica de ‘Duna: Parte Dois’
A história de Paul Atreides (Timothée Chalamet) ganha sua continuidade quase três anos após o primeiro filme. Em Duna: Parte Dois, o diretor Denis Villeneuve conclui a adaptação do clássico Duna de Frank Herbert.
No filme de 2021, Villeneuve construiu uma grande introdução ao universo de Duna, que havia sido adaptado por David Lynch em 1984 – além do filme de Alejandro Jodorowsky que quase existiu e uma série de TV pouco conhecida.
Desde o filme de David Lynch, e até mesmo antes dele, já estava evidente a influência que a obra de Frank Herbert exercia em jornadas heróicas. O Star Wars de Luke Skywaler e Darth Vader, por exemplo, traz inspirações de Duna.
Outra comparação possível, e esta mais contemporânea, é A Guerra dos Tronos, de George R. R. Martin, que também apresenta influências de Duna.
Com isso, desde 1965 nenhum cineasta havia conseguido dar a Duna a adaptação que merecia. Em sua primeira amostra em 2021, Villeneuve se mostrou capaz, mas na parte dois precisava entregar ainda mais para o público.
Duna: Parte Dois inicia sua história praticamente junto com o final do longa-metragem anterior. Com isso, mostra Paul Atreides e sua mãe, Lady Jessica (Rebecca Ferguson), se integrando aos Fremen. Enquanto tentam sobreviver ao deserto, eles mantém viva a vontade de vingar a morte de Leto Atreides (Oscar Isaac) – planejada pelo Imperador Padixá (Christopher Walken) e executada pelo Barão Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgård) e o exército Sardaukar.
A primeira hora do filme se debruça na cultura dos Fremen, e assim como Paul, o espectador tem a chance de se aprofundar no estilo de vida do povo do deserto. A jornada do jovem Atreides é carregada de provações que ajudam a construir sua figura predestinada.
Enquanto Paul luta ao lado dos Fremen, que atacam as colheitadeiras de especiaria no deserto, Lady Jessica se torna a nova Reverenda Madre no Seitch Tabr – espécie de cidade escondida nas rochas onde se concentram os Fremen. É partir deste núcleo que o filme passa a desenvolver um dos seus pontos mais importantes: o fanatismo religioso.
Assim como a obra original, Duna: Parte Dois trata sobre a profecia de Lisan Al-Gaib – a voz do mundo exterior, aquele que mostrará o caminho -, figura salvadora que levará os Fremen a construção de um paraíso em Arrakis, transformando a paisagem arenosa em florestas e oceanos. Essa ideia foi levada para o planeta pela ordem das Bene Gesserit, que espalham a profecia pelo universo há milênios.
A religiosidade, neste contexto, funciona como uma forma de poder e controle. Esta relação é um fator importante para o desenvolvimento desta história. Sem o fanatismo dos Fremen, Paul Atreides não conseguiria travar grandes batalhas.
O diretor Denis Villeneuve toma liberdades em relação a história escrita por Frank Herbert. Sua adaptação parece também uma reimaginação da mesma trama. O cineasta franco-canadense e sua dupla de roteiro, Jon Spaihts (Doutor Estranho), dão conta de tornar Duna algo ainda mais completo – dentro da lógica de uma narrativa cinematográfica.
Em seu livro, Frank Herbert constrói um universo sem igual, mas deixa lacunas abertas que poderiam ser facilmente preenchidas. Villeneuve e Spaihts compreendem isso, e acrescentam a história de Duna: Parte Dois elementos e desenvolvimentos que ajudam a fundamentar as bases desta narrativa.
A história de Duna: Parte Dois começa ao desenvolver a jornada de transformação de Paul Atreides, que segue os passos já conhecidos da jornada do herói. Com a interpretação de Chalamet, Paul Atreides é um personagem interessante e intenso, sem deixar de lado o ímpeto e a inconsequente jovialidade presentes na obra literária.
Embora represente esta figura que guiará os Fremen para o paraíso em Arrakis, Villeneuve respeita a essência do personagem: Paul Atreides não é um herói de fato. A figura de Lisan Al-Gaib quanto Paul Muad’Dib Usul (como é nomeado pelos Fremen) usa a fé deste povo para satisfazer a sua sede de vingança.
Duna: Parte Dois não é uma jornada sobre heroísmo, mas trata de sentimentos menos nobres, como o egoísmo. Tanto nas páginas como nas telas, a história é sobre poder e controle. No entanto, Duna não se trata de uma luta do bem contra o mau dos moldes tradicionais.
Enquanto mantém vivo o desejo de vingança de Paul, Villeneuve e Spaihts dão conta de apresentar particularidades dos Harkonnen. Assim como Frank Herbert faz em sua obra, Denis Villeneuve dá vida própria a este outro núcleo da trama.
O amparo estético da cinematografia, maquiagem, figurino e direção de arte são essenciais para a construção visual dos Harkonnen. Assim como no livro, cada personagem tem um visual próprio que ajuda na construção de sua personalidade. Em Duna: Parte Dois, Villeneuve dá vida ao que estava escrito, um trabalho de composição cujos méritos também estão no trabalho do elenco.
O cineasta cria em Duna: Parte Dois, a sua leitura sobre este universo. As mudanças propostas pelo diretor fazem sentido para o contexto que ele cria para a narrativa cinematográfica. São interpretações sobre a clássica obra de Frank Herbert que captam muito bem sua essência.
Dentro disso, está a presença da Princesa Irulan, vivida pro Florence Pugh. Enquanto na obra literária ela aparece como excertos no início de cada capítulo e depois no final da trama, no filme o diretor decide torná-la parte presente na história. Esta é uma escolha que, novamente, funciona para o contexto do longa-metragem.
Apesar de fazer sentido na narrativa cinematográfica do filme, a presença da Princesa Irulan poderia ser complementar no longa-metragem de 2021. Sobretudo porque há uma conotação da história ser contada também na sua perspectiva.
Embora o filme passe muito tempo construindo o caminho que culmina em um apoteótico enfrentamento, Duna: Parte Dois é repleto de ação desde os primeiros minutos. Há momentos de grandiosidade, e há cenas que dão vida a acontecimentos icônicos do livro – como a primeira vez de Paul montando um verme de areia e a luta, brilhantemente fotografada por Greig Fraser, entre Paul e Feyd-Rautha (Austin Butler).
Villeneuve alcança equilíbrio entre sua interpretação e a representação da obra literária. Desta forma, ao mesmo tempo em que evidencia sua identidade como cineasta, o diretor entrega para o público cenas memoráveis. É neste ponto em que a construção sonora potencializa a imagem, e nisso a grandiosa trilha composta por Hans Zimmer é essencial. A música entra em cena com precisão e dá para Duna: Parte Dois a imponência de um filme épico.
O longa-metragem se mostra capaz de surpreender quando apresenta um cenário completamente novo e inesperado ao levar o foco da história para Gied Prime. O lar da Casa Harkonnen destoa do que foi visto em Caladan, no primeiro filme, e de toda a ambientação de Arrakis. Em Gied Prime, o público é transportado para um lugar ameaçador onde acontecem os absurdos animalescos dos Harkonnen.
Com antagonistas desenvolvidos na medida em que precisavam, Duna: Parte Dois consegue encontrar coerência na sua narrativa para o cinema. A história avança ao lado das ações dos personagens e explora de imediato suas consequências. Com isso, entrega um importante senso da urgência para o seu apogeu cinematográfico.
Durante a construção desta história, Villeneuve faz um importante contraste na escala do longa-metragem. Enquanto os cenários se mostram enormes, o diretor observa seus personagens com proximidade. A mesma câmera que mostra a grande escala no filme, também é sensível ao colocar o público em um contato íntimo com quem está na tela.
O épico de Paul Atreides surpreende quando ganha contornos de romance ao colocar em cena a personagem de Zendaya. Chani faz parte de um contraponto interessante do filme, que mostra os Fremen divididos entre os que acreditam na profecia de Lisan Al-Gaib e os que são céticos a ela.
Além disso, a relação entre os personagens contempla os grandes romances ao retratar o encontro de duas pessoas que se atraem e colidem ao mesmo tempo. Villeneuve demonstra sensibilidade com Chani, que ganha mais espaço no filme. E Zendaya entre uma personagem forte e vibrante na tela.
Duna: Parte Dois tem tudo o que necessita para ser um grande sucesso. As comparações com obras renomadas (Star Wars – O Império Contra-Ataca, O Senhor dos Anéis: As Duas Torres e Batman – O Cavaleiro das Trevas) parecem estar a altura do filme. No entanto, somente o tempo é capaz de dizer se estas comparações são válidas ou não.
O fato é que Duna: Parte Dois é o tipo de filme que acontece poucas vezes. Como adaptação, consegue completar lacunas da obra de Frank Herbert. Como peça de uma franquia em expansão, é um exemplar primoroso.
O longa-metragem entrega a ação que faltava no seu antecessor. Traz para o cinema uma história repleta de nuances políticas e religiosas que fundamentam o funcionamento desde universo onde tudo o que importa é o poder, seja ele sobre territórios, pessoas ou recursos.
Seja pela grandiosidade, precisão técnica ou a história contada, Duna: Parte Dois tem tudo o que precisa em suas duas horas e 46 minutos, nem mais e nem menos. No entanto, deixa evidente que Denis Villeneuve opta por sacrificar o espaço de alguns personagens, que servem para que a narrativa avance, mas que em comparação a obra original acabam com suas funções reduzidas em tela.
O diretor entrega com este filme muito mais do que com o anterior e deixa as portas abertas para a continuidade desta história mais uma vez. O perigo, porém, está justamente neste ponto, afinal, como ser ainda mais grandioso do que Duna: Parte Dois? A resposta, somente o cineasta pode dar.