Pantera Negra segue uma linha semelhante a de Logan e MulherMaravilha, provando que super-heróis (ou super-heroína) podem ir além de entretenimento e trazer algo maior para o público. Como o filme mais político do Universo Marvel, Pantera Negra reascende parte do que é o universo da Casa das Ideias e se dedica apenas ao mundo do personagem-título.
Ryan Coogler, diretor, não faz um filme sobre racismo ou tensão racial, ele prefere que o seu Pantera Negra seja universal ao falar da história da humana, do homem branco conquistador e do negro uma vez conquistado. Contudo, ele ainda vai além, e Pantera Negra esconde um mundo de questões importantes atrás da sua trama simples: uma intriga palaciana que envolve traição, quebra de confiança e segredos da coroa. Mesmo assim, Coogler não rende o filme a uma fórmula comum e sem sal, subvertendo a Jornada do Herói e até mesmo o que se espera da construção dos personagens.
A Marvel traz, em Pantera Negra, um filme que equilibra o fazer cinema (com figurinos, fotografia e filmagem muito bem realizados) com o seu entretenimento abrangente (há humor, mas este é sutil e respeita a seriedade que a abordagem do longa se empenha em entregar ao espectador). Pantera Negra, assim como Capitão América 2: O Soldado Invernal, consegue ser um ponto fora da curva dentro do Universo Marvel. Outro acerto é o filme ser contido ao seu universo particular, sem se preocupar em preparar campo para Vingadores: Guerra Infinita. Contudo, o filme peca em falar tanto sobre Wakanda e acabar mostrando pouco do país – assim como Thor costumava fazer com Asgard.
Logo após os acontecimentos de Capitão América 3: Guerra Civil (a morte do Rei T’Chaka é o que mais influencia o filme, obviamente), T’Challa (Chadwick Boseman) é proclamado como o novo Rei de Wakanda Após isso, com o reinado iniciado, T’Challa começa a descobrir os segredos do pai, que influenciam completamente a trama do filme e colocam o Rei em sua primeira provação. Se analisado de longe, esse enredo é comum, pois não faltam histórias que se apoiam nas típicas intrigas palacianas. Porém, Pantera Negra esbanja personalidade, desconstruções narrativas, surpresas e um desenvolvimento de personagens impecável que acabam mudando esse panorama.
Em pouco mais de duas horas de projeção, Coogler consegue desenvolver todos os principais personagens da história. O vilão inicial, Garra Sônica (Andy Serkis), é repugnante, um ladrão fajuto com um canhão potente no lugar da mão. Seu papel é simples, e funciona, pois o filme trabalha muito bem o seu tom de gravidade, urgência e revolta. Contudo, Killmonger (Michael B. Jordan) é quem rouba a cena. Em todos os seus 10 anos no cinema, a Marvel nunca construiu tão bem um vilão como este, com suas motivações e a essência do personagem tão evidentes. Michael B. Jordan mostra tudo isso, as atitudes do personagem, seus diálogos e seus sentimentos aflorados são um prato cheio para se ter um vilão que a própria Wakanda criou.
Chadwick Boseman é de fato um Rei em cena. A figura do Pantera Negra e do Rei T’Challa representadas por ele são imponentes, cativantes e admiráveis do jeito que um Rei deve ser. Junto a ele estão também as Dora Milaj comandas por Okoye (Danai Gurira), que enchem os olhos do público com o seu balé de ação. Seus golpes soam como uma dança cheia de força e poder. Danai Gurira e Lupita Nyong’o agem como duas forças sobrenaturais em suas atuações. Okoye e Nakia são personagem poderosas, cheias de força e personalidade, e o melhor é que isso fica gritante na película. Shuri, vivida pela ótima Letitia Wright, é de uma natureza encantadora, uma personagem envolvente e não menos forte do que as outras.
Pantera Negra é cinema e entretenimento nas mesmas proporções. Seu diretor, Ryan Coogler, esbanja personalidade e estilo. As sequências de ação surpreendem, pois ao contrário da maioria dos blockbusters, Pantera Negra não deixa que os golpes sejam picotados, Coogler usa de planos longos (com cortes quase imperceptíveis) para mostras e valorizar as lutas estilosas do protagonista e das Dora Milaj. A fotografia, da indicada ao Oscar Rachel Morrison, valoriza ainda mais o trabalho do figurino e do design de produção. Porém, quando o visual se carrega demais com o CGI, alguns problemas aparecem, principalmente no ato final – deixando evidente o uso dos efeitos especiais.
Pantera Negra é eficiente em mostrar a união de uma vida que respeita as tradições culturais hereditárias da África com a sua tecnologia avançada. Ryan Coogler e Joe Robert Cole, que assinam o roteiro, acertam no direcionamento do longa. Pantera Negra não é um filme carrancudo, mas sabe criar descontração e tratar os seus assuntos do jeito sério que merecem. Com tudo isso sendo bem desenvolvido e formando um ótimo conjunto, Pantera Negra reascende com estilo e personalidade o diálogo sobre a representatividade no cinema, trazendo sua mensagem em uma linguagem universal de união ao tocar em assuntos que fizeram parte da história da humanidade – as conquistas de Cristóvão Colombo, a busca por El Dorado, a escravidão, a inclusão e a preservação cultural -.
Ryan Coogler leva para os cinemas um filme vigoroso, imponente, um balé cinematográfico cheio de cores, música e muita cultura. É emocionante ver a liberdade e a confiança que a Marvel teve em deixar tudo isso nas mãos do cineasta, que por sua vez entendeu não só o personagem, mas todo o universo que o mesmo carrega, além da sua importância e relevância.