Desde a virada do século a França vive uma espécie de crise habitacional. Na última década, o número de moradores em situação de rua, abrigados em alojamentos coletivos e pessoas que vivem na casa de terceiros segue crescendo. Segundo matéria do jornal O Globo, juntando todos esses grupos, ao todo 1,098 milhão de pessoas vivem nessas condições. Se adicionados os habitantes cuja moradia se encontra em situação precária, o número chega perto dos 5 milhões.
Os dados foram coletados pela Fundação Abbé Pierre, que desde 1992 luta pelo direito a habitação no país europeu. O relatório apresentado pela entidade traz diferentes causas para o recente agravamento deste problema, entre elas: resquícios das consequências causas pela pandemia de Covid-19; queda do poder aquisitivo da classe média; a crise energética causada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia; e a ineficiência do poder público frente ao problema habitacional.
É neste quesito, em especial, que se encaixa o recorte do filme “Belas Promessas”. O cinema francês, como muitos outros tem suas especificidades, mas também costuma olhar para os problemas do país. No longa-metragem dirigido por Thomas Kruithof, esse contexto social serve como plano de fundo para o que o filme se propõe a fazer: acompanhar o cotidiano político da prefeita de um distrito nos arredores de Paris.
Clémence Collombe, interpretada por Isabelle Huppert, está no fim da sua carreira política. Embora receba o convite para um novo cargo no alto escalão francês, ela não desiste de lutar pela aprovação de um orçamento para a reforma de um conjunto habitacional, com centenas de famílias vivendo em um prédio de estrutura precária e cheia de danos.
Diferente das histórias que se amparam nas intrigas palacianas, Belas Promessas não visa mostrar uma disputa de poder, mas sim as ações de uma política que faz o que pode pelos seus cidadãos, incluindo mentir enquanto busca uma solução positiva para o problema dessas pessoas.
O filme mostra um recorte do problema habitacional enfrentado pela França, sobretudo relacionado as condições precárias de algumas moradias. Por outro lado, expõe uma rotina política que procura simular o real, por isso foge das intrigas. Há, por óbvio, articulações e negociatas que fazem parte do fazer político diário e que são retratadas pela obra.
Ao longo do percurso, os personagens são moldados a partir das situações adversas que enfrentam. Desta forma, o longa constrói suas personalidades, motivações e até mesmo a ética individual e coletiva dos principais envolvidos. Isabelle Huppert, com sua elegância imponente, por exemplo, dá esta carga para sua personagem sem o menor esforço aparente.
Belas Promessas é um filme verborrágico e muito claro em suas ideias. Ao longo da sua hora e meia de duração, procura criar situações capazes de expor a verdade dos seus personagens. Justamente por isso, os conflitos sociais servem apenas como combustível para o andamento do filme, não tendo o mesmo foco que os protagonistas, que são perseguidos constantemente pela sua ligação com o problema que procuram resolver.
A busca por uma solução é o que move o filme e os personagens. Embora seja bem resolvido como um todo, Belas Promessas é também uma experiência densa por carregar diálogos exaustivos. Mesmo este sendo o seu alicerce, é inegável que a rápida duração consegue dar dinâmica ao filme. Com isso, o longa-metragem de Thomas Kruithof entrega uma narrativa consistente, desenvolvida através da típica estética do cinema francês, que aqui, por fim, apresenta ao público mais um bom exemplar.