Ghostface em cena de Pânico VI
Ghostface em cena de "Pânico VI". | Imagem: Divulgação / Paramount Pictures.

Uma mulher loira com vestido claro e sotaque britânico está sentada em frente ao balcão de um bar em Nova York. Diferente do habitual, ela não está de pijama em sua casa, muito menos fazendo pipoca enquanto um estranho pergunta qual o seu filme de terror favorito. Embora quebre a expectativa da clássica cena de abertura da franquia, essa espécie de prólogo é um cartão de visita de Pânico VI.

Ainda na cena, a moça é na verdade uma professora de cinema especializada em filmes slasher. Laura está no bar para encontrar um rapaz tímido que conheceu em um aplicativo de relacionamentos, e conversa com ele por mensagem no celular. Embora alguns elementos sejam diferentes do tradicional da franquia, a lógica é a mesma, e o que acontece dali em diante qualquer fã do trabalho de Wes Craven ou que apenas assistiu um dos cinco filmes anteriores sabe o que vai acontecer.

Pânico VI é a primeira sequência de um filme da franquia desde o terceiro, lançado em 2000. Ou seja, há 23 não havia continuidade direta nessas histórias. No novo exemplar, Samantha e Tara vivem em Nova York após o ocorrido em Woodsboro. Embora tenham ficado traumatizadas, cada uma das irmãs lida de forma diferente com este sentimento enquanto seguem com as suas vidas. Isso dura até o momento em que novos assassinatos cometidos pelo Ghostface voltam a acontecer.

Com isso e a manutenção de parte do elenco do quinto filme – além da adição de novos personagens e retornos de rostos conhecidos – fica muito claro que Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet estão colocando a sua identidade nestes filmes. Pânico, embora sempre tivesse um certo teor de violência nos assassinatos, está ainda mais violento, sangrento e gráfico. Não à toa recebeu classificação indicativa para maiores de 18 anos. Diferente do que no filme anterior, as mortes dos personagens estão ainda mais explícitas.

Isso corrobora para a existência de uma afirmação muito importante sobre este exemplar: o Ghostface de Pânico VI pode ser tido como inédito na franquia. Pânico sempre trabalhou com os clichês, afinal, mesmo brincando com as banalidades do gênero slasher é um filme que reflete essencialmente sobre o espectro do cinema no qual está inserido. Dito isso, ele brinca com filmes como A Hora do Pesadelo, Sexta-feira 13 e Halloween, assim como mexe com Freddy Kuger, Jason e Michael Myers.

Ghostface em cena de “Pânico VI”. | Imagem: Divulgação / Paramount Pictures.

Com isso, sempre foi muito óbvio que o Ghostface, embora encarnado por diferentes personagens, tinha uma personalidade própria. O assassino embora violento também era cômico e um pouco atrapalhado. Neste filme, assim como no anterior, o mascarado se tornou brutal, parte para o embate físico muito mais do que antes e ao invés de cômico é inconsequente, pois não tem nada a perder.

As mudanças que constroem a nova identidade do icônico vilão são superadas neste filme. Diferente dos outros títulos da franquia, neste, Ghostface usa armas de fogo e fala frente a frente com as vítimas. Com isso, sua presença é ainda mais imponente em Pânico VI. Desta vez não há uma grande preocupação em repetir o personagem, o que dentro da história faz todo o sentido. Apesar disso, é importante pensar na lógica dos diretores que, acertadamente, querem dar a sua identidade aos filmes e deixar a sua marca na franquia.

Junto a isso, e assim como no anterior, há inúmeras auto referencias que dão conta de seguir a mesma fórmula criada por Kevin Williamson e Wes Craven. Isso jamais será um problema, seria no momento em que essa receita de bolo não fosse repetida, pois ela é intrínseca na identidade de Pânico.

Uma dessas marcas é quando os personagens se reúnem para falar das regras dos filmes slasher, o que podem ou não fazer e sobre quem pode ser suspeito. Desta vez, ao invés de questionar a própria existência do filme, os diálogos expressam um novo entendimento sobre esses títulos. Pânico, atualmente, não é uma série de filmes como Star Wars, onde cada longa-metragem conta uma história que complementa a outra. Ao invés disso, a nova fase se enxerga como franquia, uma lógica diferente narrativa e economicamente para desenvolver suas histórias e personagens.

Embora crie e expresse esse novo entendimento, Pânico se contradiz quando expõe que seus personagens são descartáveis. Para franquias, ao menos por algum tempo, os personagens e sua continuidade são muito importantes. É por isso que no fim das contas esse discurso não está tão alinhando com o roteiro. Se estivesse, talvez Pânico VI fosse um filme mais corajoso e audacioso nas suas escolhas. Na prática, não é.

Melissa Barrera como Sam na esquerda e Jenna Ortega como Tara na direita em cena de “Pânico VI”. | Imagem: Divulgação / Paramount Pictures.

Por outro lado, é perceptível que Pânico VI não apenas reconhece o legado da franquia como abraça-o sem medo de renová-lo. Mesmo com a presença das auto referências e de antigos personagens, a franquia anda para frente. Além disso, é possível pensar que a história de Sidney Prescott, Kirby e Samantha é suficiente para o filme criar reflexões não apenas sobre o gênero, mas sobre si mesmo.

Embora tenha a carga criativa dos outros filmes como sua grande influência, Pânico também está submetido a uma linguagem mais atual do que é considerado popular entre o público geral. Por isso, mesmo classificado para maiores de 18 anos, o novo filme procura agradar os fãs e conquistar a nova geração.

É interessante, ainda, como os diretores e roteiristas fazem questão de seguir o diálogo da diferença entre adoração e fanatismo dentro desse universo. Esse assunto se torna ainda mais relevante de ser pautado se pensado o contexto brasileiro com o atual escândalo dos redpills e sua relação com os fóruns e chans. É claro que dentro do filme isso ocupa um espaço muito pequeno, mas existe e se faz presente, assim como o linchamento digital e a propagação de notícias fraudulentas.

Por mérito próprio, Pânico VI consegue manter a qualidade do seu antecessor e conduz a história para frente. Faz parte da sua identidade as ligações com o passado, mas é importante usar esse recurso sem que este seja uma amarra. De fato, o filme de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet abraça o legado que herda e atualiza sua própria identidade. Enquanto isso, consegue entregar ao espectador aquilo que se pode esperar de um bom slasher, mas principalmente de um filme da franquia Pânico VI.

Cena do filme “Pânico VI”. | Imagem: Divulgação / Paramount Pictures.

Com um sétimo filme confirmado, fica a dúvida: será que o próximo capítulo da franquia terá mais coragem e audácia? Talvez esta nova leva de longas-metragens ainda esteja amadurecendo, por isso não estava preparada para dar certos passos que parecem inevitáveis. Por outro lado, as escolhas feitas pelo roteiro não estão erradas.

A partir de tudo isso, Pânico, como franquia, sustenta a sua sobrevida nos cinemas e tem muitos motivos para continuar, desde que não se exceda. Embora exista um exagero ou outro na nova história, o mais importante é cumprir com a sua proposta, e isso é o que o filme faz. Assim como qualquer outro exemplar, há momentos questionáveis na história, mas no fim tudo faz sentido. O que, no entanto, não quer dizer que haja inventividade na história. Esta, por sua vez, parece perder cada vez mais o vínculo que torna o terceiro ato a parte mais importante do filme.

Mesmo com o peso de trazer o clímax da história para a projeção, Pânico VI relembra momentos não icônicos da franquia, mas entrega outros que podem se tornar interessantes para a continuidade. É preciso ponderar, porém, que independente destes desdobramentos em novos longas-metragens, o sexto filme precisa se bastar e encontrar força e potência na própria história. E nisso, o terceiro ato não entrega tanto quanto em outros aspectos. Mas se ideia da franquia é também refletir sobre a própria forma. Logo, as chances de erro ou menor impacto se encontram sempre nos momentos mais decisivos, como no final.

No fim, Pânico VI é, sem dúvida, o mais violento e sangrento da franquia. É um respiro para o Ghostface, que traz uma fisicalidade brutal para as telas dos cinemas e posteriormente para os streamings. O grupo de personagens principais retoma os próprios clichês, mas com a sua identidade. A direção, neste filme, usa menos artifícios que se mostraram interessantes no quinto filme e se preocupa com a visceralidade do seu assassino. O roteiro derrapa em alguns argumentos e se mostra cansado em algumas ideias. Mas se no final o que conta é a experiência, Pânico VI sustenta o entretenimento.

Avaliação
Bom
7.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.