Cena do filme 'O Crime é Meu'
Cena do filme 'O Crime é Meu', que estreia nesta quinta-feira nos cinemas brasileiros. | Imagem: Reprodução / TMDb.

A impressão inicial causada por ‘O Crime é Meu’ é de que o filme não é de 2023. A linguagem, o visual, a direção, os diálogos, as atuações e todos os outros componentes da obra cinematográfica indicam que ela é de outro tempo. Mas por óbvio não é. Não se trata da reconstrução histórica de um drama cômico de época, mas sim de um estilo e identidade do próprio diretor (François Ozon).

A roupagem da história de Madeleine (Nadia Tereszkiewicz) é peça importante para o charme que o longa-metragem exibe. No filme, a jovem atriz sem papéis é vítima de uma tentativa de estupro de um dos principais produtores teatrais da Paris de 1930. Porém, após o ocorrido, Montferrand é encontrado morto e a jovem se torna a principal suspeita.

Com a oportunidade de ser absolvida pelo júri ao alegar legítima defesa, Madeleine assume a culpa e vê sua vida mudar para melhor. Se antes ela e Pauline (Rebecca Marder), sua amiga e advogada, saem de um apartamento humilde onde dividiam a mesma cama por falta de espaço e para se esquentarem no frio, passam a ocupar uma mansão. A atriz virou celebridade, e a advogada se tornou uma das mais requisitadas da cidade.

Antes disso, a história demonstrava, desde os primeiros diálogos, que tinha ares de um drama lúdico, levemente exagerado e com inteligência de sobra. Além disso, a história também mostrava bastante humor em um tom que por vezes flertava com o cinema noir.

Esse emaranhado de gêneros é essencial para construir a identidade autêntica de ‘O Crime é Meu’. O roteiro que François Ozon desenvolve para o filme combina essas diferentes categorias de filmes, fazendo-as funcionar em harmonia. Desta forma, essa união molda a personalidade do longa-metragem.

A narrativa, seguindo os outros elementos bem realizados do filme, se mantém em atividade constante. Embora os diálogos sejam longos e verborrágicos, eles movimentam a história e fazem ela se movimentar. E o texto, como um todo, é o ponto alto de ‘O Crime é Meu’.

É nos diálogos que os personagens ganham contorno, que expressam suas dores e seus desejos, que tramam as suas narrativas individuais. O texto também tem responsabilidade importante na relação entre os personagens e os espectadores. Enquanto em determinado momento é possível sentir empatia pelos personagens, logo em seguida o filme desperta estranheza nas contradições de cada figura.

É essa metalinguagem das entrelinhas que torna a experiência mais instigante. Afinal, estariam os personagens mentindo? Ou melhor, será que essas figuras são confiáveis? Com essa dúvida plantada atrás da orelha do público, ‘O Crime é Meu’ se torna ainda mais divertido.

Cena de 'O Crime é Meu'
Cena de ‘O Crime é Meu’, longa-metragem de François Ozon que estreia nesta quinta-feira, 06, nos cinemas brasileiros. | Imagem: Reprodução / TMDb.

A trama não é totalmente surpreendente, mas reserva para o final uma dúvida prazerosa, que cria o questionamento sobre o que é encenação e o que não é, dentro do filme. E é por causa dessa dubiedade dos personagens que a conclusão é um acerto do diretor e roteirista do longa.

O trabalho de François Ozon é muito habilidoso e consciente das suas potencialidades. Embora o todo funcione bem, e como já destacado anteriormente, o texto é o maestro do filme, e é ele quem rege o espetáculo. Dentro de todas as características já ressaltadas, há também uma atmosfera teatral que paira pelo filme. Esta, ainda é reforçada pelos cenários de pequena escala utilizados – o apartamento, a delegacia, o tribunal e a mansão, sem contar algumas cenas externas que realçam o lúdico da narrativa.

‘O Crime é Meu’ é charmoso e intrigante. Encontra nos elementos fílmicos mais primordiais e essenciais aquilo que melhor funciona na sua narrativa. O texto de François Ozon dita o todo, criando um casamento fervoroso entre os componentes estéticos da produção o desempenho do elenco.

Do texto falado ao que é expressado fisicamente pelo elenco, sobretudo pelas amigas protagonistas, ‘O Crime é Meu’ mostra a importância de um bom roteiro e de uma ideia bem concebida. É, ainda, mais um bom exemplar do cinema francês que chega aos cinemas do Brasil.

Avaliação
Bom
7.5
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.