Imagem do filme
Imagem do filme "Os Filhos dos Outros". | Crédito: Divulgação / Synapse Distribution.

O cinema francês costuma realizar frequentes retratos sociais. Desta forma, produz estudos do hoje de cada tempo. Neste contexto, a diretora parisiense Rebecca Zlotowski projeta sentimentos que pertencem a existência feminina em seu novo longa-metragem, Os Filhos dos Outros.

A história seria uma adaptação de “Your Ticket Is No Longer”, de Romain Gary. No entanto, ao longo do processo de escrita do roteiro a cineasta percebeu que não era isso que gostaria de contar. “Aos poucos fui reconhecendo a minha própria impotência, a de uma mulher de 40 anos, sem filhos, que quer um, e, em partes, cria os de outra mulher. Uma madrasta sem ser mãe”, disse a diretora na divulgação do filme.

Com isso, Zlotowski chegou à história de Rachel, uma professora de 40 anos cuja vontade de ser mãe aflora a partir do contato com a filha de 4 anos do atual namorado. O contexto não ajuda a protagonista: Rachel está à beira do início da menopausa. Com isso, os próximos meses passarão como se fossem anos, como informou o ginecologista da educadora.

Rebecca Zlotowski conta com o apoio de George Lechaptios na direção de e juntos captam com muita sensibilidade o drama de Rachel. A personagem rendeu o prêmio de Melhor Atriz para Virginie Efira no Lumière Awards 2023, consagrando o trabalho executado por ela em Os Filhos dos Outros. O reconhecimento se justifica em tela na medida em que a história evolui.

Imagem do filme “Os Filhos dos Outros”. | Crédito: Divulgação / Synapse Distribution.

Os Filhos dos Outros é um retrato íntimo e sensível do drama de Rachel, que é vivido diariamente por mulheres ao redor do globo. Justamente por isso, optar pela perspectiva de Rachel é um acerto do longa-metragem. Desta forma, o espectador se sensibiliza com cada passo da trajetória dessa personagem.

Aos 40 anos, Rachel vive os próprios desejos, sacias as próprias vontades e não esconde aquilo que quer. A história não priva o espectador da ansiedade e preocupação da personagem a partir do momento em que ela expõe o desejo de se tornar mãe. E a luta de Rachel passa a ser contra a própria natureza.

Isso acontece porque o chamado relógio biológico das mulheres não conta as horas para sempre. Há um momento da vida em que a bateria desse aparelho para de funcionar, sem chance de substituição. Mas em um período muito específico de suas vidas, o corpo feminino começa a dar sinais de que a qualquer momento esse relógio pode parar de funcionar. Inicia-se então esse embate contra a própria natureza, se assim for o desejo de cada uma.

Embora o filme se concentre em acompanhar o drama vivido por Rachel, existem questões narrativas que reafirmam o protagonismo da personagem. No filme, Rachel é a madrasta de Leila (Callie Ferreira-Goncalves), a filha de 4 anos de Ali (Roschdy Zem), seu namorado.

Com esta posição, Os Filhos dos Outros se debruça em mostrar um lado não tão recorrente das histórias. A madrasta, que normalmente fica em segundo plano, assume a posição de protagonista. Esse retrato foi um dos motivos que fizeram a atriz belga Virginie Efira aceitar o papel de Rachel. “A figura da madrasta, aquela que cuida dos filhos dos outros, costuma ser uma personagem secundária. Rebecca decidiu trazê-la para o primeiro plano e examinar o vínculo entre um personagem periférico e uma família ‘adotada’”, disse a atriz durante a divulgação do filme.

Imagem do filme “Os Filhos dos Outros”. | Crédito: Divulgação / Synapse Distribution.

Com esses significados, e principalmente representações, o drama com traços cômicos ganha camadas facilitam a identificação do público com a personagem principal. Mesmo se tratando de um recorte específico, a atuação de Virginie Efira é essencial para que isso aconteça. E sua presença marcante é o destaque do longa-metragem.

É a partir da relação entre ela, a direção e o roteiro que Os Filhos dos Outros se torna uma história prazerosa de conferir. Entre suas tristezas e alegrias, o filme consegue adicionar o ingrediente mais importante para uma boa história: senso de humanidade.

Rachel não é um tipo ideal ou uma figura distante do espectador. A humanidade entregue por Virginie Efira dá ao público a ideia de que a personagem é alguém alcançável – ou que existe em um mundo real, onde muitas das mulheres que assistirem este filme podem estar vivendo o mesmo que a protagonista. Os Filhos dos Outros é uma obra afetuosa sobre dramas do cotidiano transpassados pela natureza humana. É uma experiência de empatia e sensibilidade na tela dos cinemas.

Assista ao trailer de “Os Filhos dos Outros”

Avaliação
Muito bom
7.5
COMPARTILHAR
Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.