Imagem: Reprodução/IMDb
Longa mantém o padrão Marvel, mas apresenta personalidade e voz própria
Thor (Chris Hamsworth) e Hulk (Mark Ruffalo) em Thor: Ragnarok
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Thor (Chris Hemsworth) não está entre os medalhões do Universo Marvel, seus dois primeiros filmes arrecadaram o suficiente para se pagarem e conseguiram o mínimo para garantir uma sequência. A crítica especializada era dividida, mas em resumo os filmes do Thor, até o momento, eram tratados como patinho feito do Universo Marvel. De 2013 para cá (ano de lançamento do segundo filme do personagem) algumas coisas mudaram na Marvel. O estúdio encontrou um caminho após Guardiões da Galáxia (2014) e a partir daí novos rumos foram traçados.

Thor: Ragnarok é uma ótima consequência do caminho que a Marvel percorreu no cinema até aqui, reflete muito do que foi determinado como padrão após a remodelagem estrutural ditada por Guardiões da Galáxia. No entanto, o terceiro filme do Deus do Trovão não se resume apenas em “mais um filme padrão Marvel de qualidade“, ele quebra esse paradigma concebido pelo próprio estúdio no momento em que é, antes de mais nada, um filme com a assinatura do seu diretor, Taika Waititi. Assim, o Ragnarok de Thor é uma mistura cômica de uma odisseia do herói e um road (space) movie visualmente deslumbrante, com cores e mais cores em um filme cheio de personalidade.

Entre o longa de 2011 e o de 2013 pouco se viu de Asgard, a terra natal do personagem-título. Parecia que os filmes não tinham interesse em explorar a mitologia do local, desperdiçando o poder histórico que o Thor dos quadrinhos sempre trouxe em suas páginas. Eis que Thor: Ragnarok quebra mais essa barreira, e mesmo se tratando da jornada de crescimento do protagonista, Ragnarok é, sobre tudo, o único filme que explora a essência mitológica do personagem. O Ragnarok, no entanto, não se trata da destruição total, ou uma espécie de Juízo Final, ele é apenas um recomeço para o personagem e a sua franquia própria dentro do Universo Marvel – que nunca apresentou tanto potencial como neste terceiro filme.

Planeta Sakaar de Thor: Ragnarok
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Se uma das intenções de Taika Waititi era prestar uma homenagem ao legado centenário de Jack Kirby, ele conseguiu. A estética arquitetônica que Kirby concebia nas suas artes estava presente em toda Sakaar, que apesar de poder ser interpretada como a lixeira do universo cósmico da Marvel, nada mais era do que um santuário construído em homenagem a Kirby. Thor: Ragnarok, inclusive, tem muito do que se orgulhar em relação as suas referências – tanto das que serviram como base de inspiração para o filme, quanto o fan service que aparece com frequência (aliás, o “service” vai além de Kirby, Marvel no cinema e nos quadrinhos, Taika consegue propriedade o suficiente para referenciar os seus próprios filmes, como O Que Fazemos Nas Sombras de 2014, lembrado mais de uma vez em Thor: Ragnarok).

O design de produção de Thor: Ragnarok, como um todo, deixa os Guardiões da Galáxia com inveja. Tudo é muito detalhado, Taika não tem vergonha de mostrar e exibir o traje dos personagens e de explorar os locais por onde passa a história do filme. Ragnarok apresenta grande qualidade visual, os efeitos são caprichados, tanto para mostrar uma Asgard nunca tão bem explorada, como para construir Surtur, Fenrir e Hulk (Mark Ruffalo) com extrema qualidade – o preço que o filme pagou por isso, porém, foi em cenas menores com efeitos mais postiços, mas apenas um se compromete. Além do visual, a trilha sonora é um ótimo destaque do filme, acompanhando a narrativa sem deixá-la redundante e combinando perfeitamente com os momentos em que aparece – aliás, é difícil um filme da Marvel apresentar um trilha sonora tão boa e memorável como Thor: Ragnarok conseguiu trazer.

Diferente do que já haviam feito com Thor nos cinemas, Ragnarok é definitivamente um filme nerd completamente direcionado ao público comum. O roteiro é eficiente em traçar um rumo narrativo que não se complica durante a projeção. A história se resolve com facilidade, não se amarra e muito menos se perde, porém carece de diálogos menos redundantes. Na verdade, as repetições que o filme apresenta é que são cansativas. Thor passa o filme todo lembrando e contando o que está acontecendo, e esse repeteco mostra um didatismo desnecessário até mesmo para o grande público, que não esqueceria de uma trama de fácil compreensão como a que o filme apresenta.

Loki (Tom Hiddleston) em Thor: Ragnarok
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Apesar disso, a assinatura cômica de Taika Waititi se faz presente e mais forte do que esse problema. Embora hajam essas inúmeras repetições, Thor: Ragnarok é a melhor comédia da Marvel – superando também o ótimo Homem-Formiga (2015). Os méritos não são apenas do diretor, que sabe como comandar o gênero, mas também do elenco. A Marvel finalmente conseguiu aproveitar todo o potencial que Chris Hemsworth tem para a comédia, e Tom Hiddleston não fica por menos. É interessante, no entanto, que as piadas não se fazem desnecessárias, Taika usa um humor escrachado com inteligência, caçoando não só a história do personagem no cinema, mas também o que a Marvel construiu até aqui. A essência desse humor funcionada pelo clima que as cores e a estética realçam no visual, uma mistura homogenia que deixa tudo bem encaixado.

No entanto, Thor: Ragnarok peca ao fazer a ameaça da destruição de Asgard ficar atrás de todo esse clima bem humorado. Thor, ao longo de toda sua jornada, sentia o peso dessa destruição, mesmo assim, repetir isso várias vezes não é sinônimo de passar a gravidade dessa ameaça para o público. Mas se há um acerto dentro disso, este se chama Hela, ou melhor, Cate Blanchett. A atriz consegue fazer de Hela, a Deusa da Morte, uma vilã temível e poderosa, a figura é caricata na medida certa e consegue estar acima do padrão fraco de vilões da Marvel. Porém, não há um embate significativo entre ela e Thor que seja capaz de fazer jus aos poderes de cada personagem.

Ao bem da verdade, Thor: Ragnarok pouco empolga nas suas cenas de ação, a exceção é a luta entre Thor e Hulk na Arena de Sakaar. Apesar de faltar um ingrediente mais temperado nas lutas, todas elas são bem conduzidas por Taika Waititi, e mesmo que não sejam empolgantes elas se tornam divertidas e prazerosas por causa da ótima trilha sonora – praticamente a mesma que estava nos trailers.

Sem muitas surpresas ao longo da projeção, Thor: Ragnarok faz o suficiente para ser um ótimo filme padrão Marvel de qualidade. A aventura cósmica do personagem é uma consequência direta do que a Marvel começou a ditar narrativa e visualmente nos seus últimos filmes. É interessante a consciência que Thor: Ragnarok apresenta em fazer uma pequena transição de como eram os filmes do Thor (mais sérios, com um humor fora de tom) para como ele deveria ficar (colorido e sem vergonha), o que é facilmente identificado na apresentação do filme nos seus primeiros 30 minutos.

Hela (Cate Blanchett), a Deusa da Morte, em Thor: Ragnarok
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Thor: Ragnarok é mais um acerto para a coleção do Marvel Studios, é um filme com a cara do seu diretor sem deixar de fazer parte do universo compartilhado ao qual ele pertence, mas essas ligações são feitas de forma rápida apenas no início do filme, fazendo com que a história se preocupe apenas com ela mesma. Divertido e muito mais colorido, Thor: Ragnorak é uma aventura gostosa de ser acompanhada, é um filme de personalidade e voz própria, sem se afastar do terreno por onde pode caminhar. Seus personagens tiram sarro do passado, mas mais importante é a maturidade que adquiriram no meio deste percurso.

O Ragnarok acontece menos grandiloquente do que deveria ser, principalmente pela escolha que o filme faz de diminuir o impacto do acontecimento. Mesmo assim é possível que Thor: Ragnarok faça o seu protagonista cair (enfim) nas graças do grande público com este ótimo filme.

Avaliação

[yasr_overall_rating size=”medium”] (Ótimo)