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Doutor Estranho chega aos cinemas com uma proposta bastante diferente dos filmes habituais da Marvel Studios, mas o problema é que a própria detentora dos direitos do personagem erra a mão em vários momentos do filme.

Benedict Cumberbatch dá vida ao Mago Supremo. Stephen Strange deveria ser um médico conceituado, egoísta e chato, mas admirável. No longa houve uma tremenda necessidade de fazer de Strange um fanfarrão exibido semelhante ao Tony Stark de Robert Downey Jr., o que não foi possível pela diferença entre o ator que interpreta o Homem de Ferro e Cumberbach. Acabou que a personalidade do protagonista ficou descentralizada e fora da zona de conforto do ator, fora o fato de que as tentativas de ser piadista não ficaram nada bem para Stephen Strange.

A origem do personagem (o acidente de carro, a busca pela cura, a ruína de Strange como pessoa e do lado financeiro e o encontro com Kamar-Taj) foi muito bem retratada. Aliás, em termos de roteiro Doutor Estranho é muito sólido ao contar sua história, mas existem elementos de quebram totalmente o ritmo do longa de Scott Derrickson (O Dia Em Que A Terra Parou e Livrai-nos do Mal). E é na própria narrativa da construção do Doutor Estranho que existe o grande acerto do filme: exaltar os elementos dramáticos da história do personagem.

Benedict Cumberbatch tem recursos dramáticos em sua atuação que pouquíssimos atores de todos os filmes do Universo Cinematográfico da Marvel têm, facilitando muito o trabalho dos roteiristas (Jon Spaihts, Thomas Dean Donnelly e Joshua Oppenheimer) e do diretor. Com essa facilidade a história pôde focar em elementos como a morte, tristeza, derrota, decepção e outras mágoas que fazem de Stephen Strange um dos personagens mais humanos do MCU. Com tantos recursos dramáticos, o filme do Doutor Estranho encontrou seus grandes momentos ao aprofundar bem estes elementos e no uso das soluções visuais.

doutor-estranho-02O visual é impecável e coloca o longa em uma indicação praticamente certa ao Oscar nesta categoria. As cenas de distorção de realidade, que lembram de A Origem – de forma aperfeiçoada -, são o carro chefe do longa. A tarefa dessa construção era muito complicada, pois Doutor Estranho não se trata apenas da origem de um dos heróis mais clássicos das HQs da Marvel, mas também havia a tarefa de apresentar e inserir de vez o universo místico do estúdio. Com isso há também a necessidade de explicar muito bem estes conceitos, de forma simples e de fácil entendimento para o público – tanto os fãs que conhecem as histórias como o público geral que só assistiu aos filmes ou está vendo por curiosidade. O fator é cumprido com sucesso, pois a explicação acompanhou a prática em uma ótima sintonia. Além de a Anciã, interpretada por Tilda Swinton, explicou boa parte destes novos conceitos de uma forma bem didática. A linguagem também facilita bastante para que isso tudo flua com clareza, já que usando metáforas e analogias o filme consegue entregar esse novo universo de mãos abertas para o público. Porém, no momento em que poderiam dar atenção às Jóias do Infinito a explicação ficou apenas na expectativa de quem gostaria de saber mais sobre o papel das pedras – na cena em questão há a afirmação, que já era bastante evidente, de que o Olho de Agamotto é sim a Joia do Tempo.

A tão falada fórmula Marvel está presente a todo momento no longa. As piadas incansáveis tornam-se irritantes em certos momentos. Totalmente fora de tom e de contexto, como nas cenas “engraçadas” em que o Mando da Levitação que fica brincando de puxa e afloxa com o Senhor Doutor ou quando enxuga as lágrimas do mesmo. Ambas as cenas, e outras mais, quebram totalmente o ritmo da narrativa, freando o desenvolvimento de arcos de uma forma burra por aqueles que as fizeram dessa maneira. Piadas são legais para descontrair, aliviar a tensão, mas há um limite do que é aceitável ou não. E no caso de Doutor Estranho as piadinhas estavam quase no mesmo nível horrível das de Os Vingadores: Era de Ultron. De fato as piadas mal feitas são o ponto negativo do filme.

doutor-estranho-03Apesar das piadas atrapalharem a experiência, Doutor Estranho consegue se sobressair. O elenco de apoio é muito bom, mas mal aproveitado. Tilda Swinton têm a personagem mais interessante depois de Stephen Strange e tem ótimos momentos durante o filme, fazendo uma Anciã ótima para a história. O tom sínico foi um elemento muito bem aproveitado em meio ao conhecimento que a personagem esbanja. Barão Mordo (Chiwetel Ejiofor) é um coadjuvante eficiente, mas seu arco é muito mal explorado. Quando há a libertação do personagem ao descobrir que a Anciã drenava energia da Dimensão Negra para benefício próprio acabou criando um descontentamento no personagem, fazendo-o abandonar aquilo que achava ser o sentido da sua vida. O assunto ficou um pouco raso, mas foi o suficiente para ser aceitável. Já na ligação que o longa faz com sua provável sequência a motivação de Mordo fica muito clara e cativante. Wong (Benedict Wong) é muito mal aproveitado – era um personagem em potencial -, nas poucas cenas em que apareceu esteve muito bem, mas poderia ter mais espaço na história. Rachel McAdams ficou restrita em ser  a mocinha que ajuda o protagonista, mas tem uma papel diferente do clichê normal que acostumou-se a ver dos interesses amorosos dos heróis da Marvel. O papel de Rachel no filme lembra um pouco o da Rosario Dawnson interpretando Claire Temple nas séries de herói da Netflix em parceria com a Marvel.

Madds Mikkelsen tem uma atuação muito boa e sustenta um vilão fraco com motivações ultrapassadas. A busca por poder e imortalidade não é nenhuma novidade dos vilões do gênero de super-heróis, mas pelo menos a ameaça que a representatividade da figura de Dormmamu tinha ajudou Kaecilius a ser ameaçador por aquilo que ele poderia desencadear. Mas em si, se a vilania dependesse apenas de Kaecilius o filme perderia muito na sua história. A figura de Dormmamu funcionou muito bem no loop final. Doutor Estranho quebrou totalmente o paradigma de que todo o herói precisa ter uma batalha épica para derrotar o seu inimigo no final do filme. O embate de Strange e Dormmamu foi sensacional, pela tortura psicológica que o loop usado pelo Doutor através do Olho de Agamotto afetou a figura do verdadeiro vilão. E mais uma vez a solução visual do longa se sobressaiu, mostrando efeitos maravilhosos e dignos de serem visto em IMAX ou 3D.

Apesar de ter piadas fora do tom, que não combinam com a história e afetam de forma negativa a personalidade do protagonista, Doutor Estranho cumpre muito bem a apresentação do personagem e é extremamente competente na apresentação do universo místico da Marvel nos cinemas. As ótimas explicações casam muito bem com a prática visual que a procede. Visualmente incrível o longa-metragem do Mago Supremo fica devendo em alguns quesitos e pode aproveitar melhor os seus personagens, pensando em um próximo filme. O resultado é um filme muito bom, que deveria ser um dos melhores da Marvel Studios.

Avaliação

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