Black Mirror | Temporada 05 | Episódio 03 - Rachel, Jack and Ashley Too
Imagem: Divulgação/Netflix

Em 2017, Blade Runner 2049 (de Denis Villeneuve) reflete sobre uma questão cada vez mais atual: como o irreal substitui o real e como isso não representa nada além de uma ilusão. No filme, o personagem de Ryan Gosling vive com uma Joi, um holograma que vive no seu apartamento e convive com ele – programado para se importar, preocupar, cuidar e mostrar que as pessoas são especiais.

É uma ação programada que supre ou esconde a solidão, que mascara a falta de algo real e preenche um vazio com outro. Rachel, Jack and Ashley Too também faz isso, mas de forma muito menos pretensiosa. O episódio que encerra a quinta temporada de Black Mirror descondensa esse pensamento em prol de uma crítica a comercialização da indústria da música, e porque não ao mainstream também – o que são quase sinônimos.

A presença de Miley Cyrus no elenco conota algo que esteja ligado também a sua carreira, afinal, é normal que ídolos pop que tiveram o nascimento do seu sucesso no mundo teen (Miley, independente da carreira, sempre será lembrada por sera Hannah Montana – mas, claro, não só por isso) passem por fases de sucesso, declínio, mudanças de rumo e libertação – outro exemplo que pode ser citado é Demi Lovato.

Rachel, Jack and Ashley Too mostra que essas pessoas passam a ser um produto comercial de quem as gerencia – os empresários. Seu talento, ou dom, viram mera mercadoria, a música é venda, a imagem é venda, a figura se torna um brinquedo. A pessoa se resume a números, audiência, lucro. Tudo isso é alimentado pela relação com o fã, o público alvo de toda essa “estratégia”.

Vendo por este lado, há também uma outra reflexão no episódio: os fãs conhecem os seus ídolos de verdade? Os fãs sabem que, muitas vezes, não consomem a verdade dos ídolos? Não são todos os cantores e cantoras que conseguem escrever em suas músicas algo que expresse aquilo que eles sentem. Para isso, é preciso ter uma carreira muito sólida e, principalmente, autônoma.

Black Mirror | Temporada 05 | Episódio 03 - Rachel, Jack and Ashley Too
Imagem: Divulgação/Netflix

Ashley O (Miley Cyrus), no episódio, faz aquilo que mandam ela fazer porque é o que vende. A culpa disso, claro, não está apenas na tia e empresária, mas também no público que quer consumir isso a partir de uma comercialização das pessoas – prova disso, é os fãs ao fim do episódio achando a verdade dela ruim, ou o seu eu “não comercial” fora daquilo que estão acostumadas a consumir da indústria da música. A lógica capitalista tira a humanidade do ser e o coloca em uma vitrine com um código de barras.

É claro, que, ainda, se tratando de Black Mirror os hologramas não são o único foco do episódio (afinal, essa questão aparece apenas no final da história). O mote principal é a Inteligência Artificial da boneca Ashley Too e a criação de uma consciência controlada – uma prisão.

A Netflix, em 2019, lançou uma série composta de inúmeros curtas de animação, Love + Death & Robots. Em um dos capítulos vemos um mundo abandonado, sem humanos, e o que resta são robôs com consciências avançadas, algo que foi evoluindo com o passar do tempo. Mas que nos fim das contas reflete sobre o termo “eternidade”, abordado também neste episódio.

No exemplo de Love + Death & Robots é presumível que a humanidade em sua não eternidade será superada pelos legados que constrói com o passar do tempo. Usando essa mesma questão, Black Mirror coloca o valor econômico de eternizar um mártir não apenas na cabeça (lembrança) das pessoas. É como se Heath Ledger fosse constantemente recriado digitalmente para atuar em filmes por conta da notoriedade que a sua interpretação do Coringa, em Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008), alcançou com o passar dos anos – foram o “boom” da época.

Black Mirror | Temporada 05 | Episódio 03 - Rachel, Jack and Ashley Too
Imagem: Divulgação/Netflix

Com todas essas camadas, Rachel, Jack and Ashley Too divide-se em dois momentos principais. O primeiro com toda a construção dessas ideias, contrastando a vida de Ashley O com a da sua fã Rachel (Angourie Rice) – inserida em um cenário de solidão na nova escola e depois da morte da mãe, encontrando em Ashley O aquilo que supre/esconde o seu problema -; O segundo com uma completa mudança de tom que destoa da atmosfera construída anteriormente.

Há um teor muito intimista em Rachel, Jack and Ashley Too quando se propõe a acompanhar duas história cheias de camadas. Existe também uma mudança muito amarga quando a história transforma o episódio em uma aventura adolescente sem grande compromisso. O estranho é que a atmosfera da primeira parte segue sendo a mesma da segunda, o que trás uma sensação desagradável de elementos que concatenam entre si.

Mesmo que a resolução seja esta, a história se encarrega de encerrar o seu pequeno enredo de forma satisfatória, com o rumo de cada personagem. Rachel, Jack and Ashley Too fica por baixo nesta quinta temporada de Black Mirror. Mesmo cheio de camadas interessantes, sua sustância, como gatilho de discussão, não traz grande profundidade. Como citado, há em outras obras recentes melhores possibilidades de discussões sobre esses temas.

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Avaliação
Regular
6.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.