35 anos, foi este o tempo que demorou para Blade Runner, O Caçador de Androides (1982) de Ridley Scott ganhar uma sequência. A continuação veio tarde, é verdade, pois neste longo tempo, o clássico cult do diretor de Alien, O Oitavo Passageiro ganhou mais de cinco versões diferentes, no entanto, o filme ainda foi reconhecido como um clássico do cinema – merecidamente. Apesar da demora, enfim em 2017, Blade Runner 2049 dá seguimento a esse universo que agora está mais vivo do que jamais esteve.
A tarefa de Denis Villeneuve era sem dúvida complicada: dar sequência a um clássico, hoje, absoluto do cinema em uma época que o resgate de obras do passado nem sempre é bem-vindo. No entanto, Villeneuve tem um repertório recente de ótimos e quase excelentes filmes – Os Suspeitos (2013), Sicario: Terra de Ninguém (2015) e A Chegada (2016) -, e isso já é motivo suficiente para dar um voto de confiança ao cineasta. Bastava, apenas, que ele soubesse aproveitar essa oportunidade e dar uma sequência digna para o filme de Ridley Scott (que aqui recebe o crédito de produtor).
O fato é que Denis Villeneuve não só consegue fazer mais um grande filme com a sua marcante assinatura, mas principalmente faz a sequência quase primorosa que Blade Runner merecia. O primeiro filme, dentro de muitas reflexões e filosofias, dialogava sobre a vida e a morte, indo em busca de um e fugindo do outro – questões estas que são a natureza da humanidade, afinal quando nascemos muitas vezes lutamos para viver, e na velhice lutamos para fugir da morte. Agora, no caso de Blade Runner 2049, este diálogo continua ainda mais humano porque faz parte da vida de qualquer pessoa partir em busca da própria identidade e do seu verdadeiro lugar no mundo.
Com essa premissa, inicia-se a jornada de K (Ryan Gosling), que embarca nessa busca pela própria identidade, em meio a um conflito interno que questiona a sua própria natureza, enquanto o mundo pode correr grande perigo. A verdade é que muito da narrativa deste novo Blade Runner se reflete na fórmula que Denis Villeneuve usa em seus filmes, mais especificamente em A Chegada, que por sua vez deixam o diretor em total conforto com o seu novo trabalho.
Com isso, Blade Runner 2049 é absolutamente um filme assinado por Denis Villeneuve, sem deixar de ser Blade Runner como o original. No roteiro escrito por Hampton Fancher (roteirista do primeiro filme e autor do argumento deste) e Michael Green (Logan), passam-se 30 anos após a fuga de Deckard (Harrison Ford) e Rachel (Sean Young) no fim do primeiro longa. Apesar de não ser uma continuação direta, afinal 30 anos se passaram, Balde Runner 2049 liga os dois filmes uma naturalidade invejável, pois uma das qualidades do longa é dar tempo ao tempo no decorrer das suas duas horas e quarenta de projeção.
Com a história indo mais a fundo no futuro deste universo, era preciso que Villeneuve atualizasse a estética cyberpunk de Blade Runner. O diretor, no entanto, não só faz isso como aprimora muitos dos conceitos visuais da continuação – explorando-os com a sua tradicional câmera aérea, porém, o mais impressionante é que Villeneuve torna o mundo de Blade Runner uma belíssima paisagem. Os hologramas, por exemplo, que apareciam nas cenas panorâmicas do primeiro filme, ganham vida e interagem com os personagens, além de serem comercializados como a solução para a solidão de algumas pessoas (humanos e replicantes).
Com essas pequenas atualizações, sem discrepância estética de um filme para outro, tudo é devidamente evoluído. Além disso, ainda existem os contrastes entre o antigo e o tecnológico, um charme nostálgico que o filme apresenta já que opta por não recorrer a muitas referências.
Por outro lado, enquanto o visual deslumbrante impressiona, dentro da sua própria essência, a grandiosidade de Blade Runner continuava sendo em meio a sua característica minuciosa, que além de combinar perfeitamente com o estilo de Villeneuve, dava o toque sutil que fez do filme de 1982 um clássico do cinema cult. No fim de tudo Blade Runner 2049 é um filme de Denis Villeneuve, e ao mesmo tempo é a sequência ideal de um filme há muitos anos cultuado.
Apesar de beirar a excelência, Blade Runner 2049 é levemente mais didático do que deveria ser, não menos filosófico ou argumentativo do que precisava, mas é, acima de tudo, gostosamente manipulativo. O filme faz o espectador embarcar na jornada do seu protagonista, faz com que K (Gosling) e o público caminhem e acreditem nas mesmas coisas, revelando, no fim de tudo, uma surpresa inesperada. Assim, o filme deixa o impacto e a reflexão que trabalhou duro para apresentar logo nos minutos finais, e o resultado é mais do que satisfatório.
Blade Runner 2049, por méritos do seu diretor, da dupla de roteiristas e elenco, acaba sendo um forte candidato a melhor filme de 2017. Além de finalmente trazer a sequência de Blade Runner, O Caçador de Androides, o filme de Denis Villeneuve não fica a sombra do primeiro, afinal é feito por um cineasta com muita personalidade e de forte assinatura. 2049, se assim pode ser chamado, é original e fiel a suas origens, imersivo e deliciosamente sutil em suas reflexões. Assim ele consegue construir uma sobrevida a um universo que nunca foi esquecido, mas que precisava de uma volta triunfal, e eis que ela aconteceu.
“Mais humano que um humano“, o lema da Tyrell Corporation nunca fez tanto sentido quando até a busca de um replicante tornar-se a mais nobre das atitudes humanas em meio as diversas situações propostas pelo longa. Mais importante que isso: Blade Runner 2049 é só o começo do que realmente está para acontecer. No fim das contas, Denis Villeneuve não se contenta em apenas continuar a história desse universo, o cineasta ainda consegue explorar e expandir as diversas possibilidades que o mundo de Blade Runner pode oferecer.
Avaliação
[yasr_overall_rating size=”medium”] (Ótimo)