Henry Cavill como Superman em Liga da Justiça de Zack Snyder | Imagem: Captura de Tela / YouTube

Desde o começo da produção, em meados do final de 2016, Liga da Justiça teve uma vida conturbada por conta da realidade que a Warner Bros. enfrentava após o lançamento de Batman vs Superman: A Orgem da Justiça (leia a crítica). O estúdio esperava uma resposta positiva da crítica e do público. Só que ambos se dividiram, e a bilheteria não atingiu o que era esperado. Isso acarretou em um novo status na relação com Zack Snyder, que tinha em suas mãos o filme do principal grupo de heróis da DC Comics e um universo cinematográfico para desenvolver.

Na época, essa relação se desgastou ainda mais e Snyder, por conta do suicídio da filha, precisou se afastar do projeto. Isso fez com que a Warner o tirasse do projeto de vez e Joss Whedon assumiu o filme. O novo nome a frente do projeto, creditado apenas como roteirista, trazia Vingadores (2012) e a sequência Vingadores: Era de Ultron na bagagem, dois sucessos da concorrente Marvel. Ao invés de colocar ordem na casa, a presença de Whedon bagunçou ainda mais.

O diretor desmontou o filme, mudou a estética, reescreveu cenas e deu a sua assinatura ao longa-metragem da Liga da Justiça – que a essa altura era tudo, menos a obra de Zack Snyder. A decisão de trazê-lo, em um primeiro momento, pode ter sido boa, mas o resultado não foi e a relação nos bastidores deixou tudo ainda mais insustentável. É importante relembrar de tudo isso, pois o caminho até a chegada do verdadeiro filme da Liga da Justiça de Zack Snyder foi bastante tortuoso para ele, seus fãs e os amantes do grupo de heróis.

A existência de uma versão de Zack Snyder era bastante evidente desde o momento de sua saída, sua visão para o que seria o filme da Liga sempre foi muito clara e exposta em inúmeras entrevistas. O empenho dos fãs, após o lançamento do filme de 2017, resultaram no dia 18 de março de 2021: o lançamento do SnyderCut. A disponibilização do longa-metragem em suas totais quatro horas de duração é uma grande vitória dos fãs, e um presente a Zack Snyder por tudo que passou desde então. Mas é também um gosto amargo para o outro lado da história.

Em um primeiro momento, quatro horas parecia muito. Mas todo esse tempo é intencional, afinal, se a ação dos fãs deu a Zack Snyder a chance de mostrar o seu trabalho, o cineasta com certeza quis dar aos aficionados a experiência completa. As diferenças entre um filme e outro são muitas e não cabem todas aqui, embora seja importante ressaltar o quão um longa se difere do outro. É mais fácil dizer que um é a visão que o estúdio queria, enquanto a nova versão é essencialmente o que deveria ser desde o começo.

Imagem de divulgação do filme Liga da Justiça de Zack Snyder

Dentro do contexto em que foi finalizado, parecia óbvio que Liga da Justiça de Zack Snyder teria problemas no conjunto final. A maioria deles está nos efeitos visuais do longa, independente do motivo (seja ele falta de apoio financeiro do estúdio, que já perdeu muito dinheiro com o filme e não estava tão disposto a ajudar, ou qualquer outra razão) é preciso admitir isso. O Cyborg (Ray Fisher), por exemplo, é bastante estranho em várias cenas, entre outros momentos visualmente problemáticos.

Apesar do contexto que influencia a qualidade dos efeitos, em alguns momentos eles chamam mais atenção do que a história. Isso, porém, é até engraçado, afinal um filme de quatro horas deixa de prender a atenção por causa dos efeitos visuais, e não pelo enredo. Este último talvez seja o ponto principal do longa. Enquanto falha visualmente emulando uma realidade gráfica de videogame ao invés de algo mais palpável, o Snyder Cut tem na história e nos personagens o seu elo mais forte.

Com essa versão, Zack Snyder dá tempo a sua história. É muito claro o que poderia sair do filme caso tivesse 2h30 de duração e lançado nos cinemas. A presença dessas cenas não infla o enredo. Logo, Liga da Justiça de Zack Snyder é um filme narrativamente completo dentro da sua proposta. Existem pontas soltas que só estão ali porque, quando foram escritas, o diretor tinha em suas mãos a responsabilidade de criar um universo cinematográfico, o que não reflete a realidade atual.

É interessante que todas as promessas de Zack Snyder estão no filme. O protagonismo do Flash (Ezra Miller) e do Cyborg, as relações entre os personagens, as pequenas expansões do universo, um Batman (Ben Affleck) que sentia a perda do Superman (embora a melancolia da morte do kryptoniano esteja muito mais presente na versão de 2017 do que aqui, onde Bruce é visto com um tom mais positivo e esperançoso).

Zack Snyder, depois de ter a sua visão criticada em Homem de Aço (2013) e Batman vs Superman (2016), traz em Liga da Justiça dois pontos importantes, cuja ausência ou distorção fizeram seus filmes dividirem a opinião do público e da crítica. Um deles é a esperança. Embora seus personagens saibam o tamanho do perigo que estão enfrentando, a todo momento eles buscam uma solução, mesmo que ela signifique o sacrifício. E a segunda é o heroísmo.

A Liga da Justiça de Zack Snyder não é apenas sobre conter uma ameaça, mesmo que não fale literalmente sobre isso. O que está em jogo são as bilhões de vidas inocentes do planeta. São as crianças que a Mulher-Maravilha (Gal Gadot) salva no assalto do grupo terrorista; são os policiais protegidos pelo Cyborg enquanto o Superman (Henry Cavill) retorna confuso, ou quando Ires West (Kiersey Clemons) é salva pelo Flash. É um filme que mostra que aquele grupo de heróis está unido para usar seus poderes para um bem maior. E para isso, aí sim, eles precisam neutralizar o inimigo.

Imagem: Reprodução / Twitter

Tudo isso está dentro do pacote. Apesar de ter uma visão de construção de mundo bastante particular, obscura e violentamente gráfica, o seu entendimento/interpretação sobre a Liga da Justiça certamente agradou a maioria dos fãs. As quatro horas são longas, mas não se arrastam, são interessantes e bem desenvolvidas para o seu propósito. O filme, acima de tudo, tem tempo para fazer o que precisa e não deixa a desejar nisso.

Se por um lado os efeitos problemáticos, em parte, prejudicam, a história é o que há de melhor. A construção das peças é bem realizada até a hora do clímax que, dentro das suas possibilidades, mostra uma batalha a altura da Liga da Justiça. O filme deixa claro que Zack Snyder, como diretor, tem o que melhorar, sobretudo com o seu parceiro Chris Terrio. Mesmo que o que eles fazem de bom seja realmente positivo, o que realizam de cafona nem sempre funciona. São exageros pontuais que precisam amadurecer na visão do diretor.

Como de costume, Zack Snyder pensa seus planos como se fossem quadros das páginas das histórias em quadrinhos, o que esteticamente é belo e funciona para o longa. Talvez, ou com toda certeza, os fãs da DC, tão castigados nos últimos tempos, precisassem da versão do diretor para Liga da Justiça. E mesmo que o grupo de heróis tenha demorado para ganhar um filme de verdade, a versão de Zack Snyder é o mais próximo do que os adoradores destes heróis mereciam ganhar – considerando as poucas tentativas existentes de realizar essa adaptação.

A Liga da Justiça de Zack Snyder é um feito histórico dentro do seu contexto cabível por tudo que superou para poder existir. Uma história que de um lado que se consagra e de outro que vê suas decisões equivocadas tornarem-se grandes vergonhas. Mesmo que em 2017 os efeitos visuais também não fossem bons e aqui eles continuam problemáticos, o filme da Liga, o verdadeiro pelo menos, tem uma história grandiosa conforme foi pensada para ser. Um longa-metragem de equipe bem construído e com um arco final empolgante.

A versão de Zack Snyder garante a experiência positiva. O filme, como um todo, traz o melhor do diretor e também aquilo que ele não faz tão bem, mas acaba sendo um presente aos fãs e ao próprio cineasta. Senso de gravidade, atmosfera dramática, elevação do heroísmo e a esperança como o principal guia da história são elementos que trazem grandiosidade ao longa-metragem. O que fica, no fim, são as boas intenções realizadas pelo diretor em sua espirituosa versão de Liga da Justiça.

Avaliação
Ótimo
8.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.