Ely é uma jovem de 17 anos que perto do fim do ensino médio, e também no final da adolescência, descobre que está grávida. A notícia deixa-a em um estado quase catatônico, reclusa de tudo e de todos. Invisível, chegou aos cinemas brasileiros no dia 16 de novembro, trazendo a história da jovem moradora do bairro da Boca em Buenos Aires. Mora Arenillas encarna com perfeição o estado da garota que decide que o aborto pode ser o melhor caminho.

Crítica | Invisível

Pablo Giogelli, diretor do filme, concedeu uma entrevista exclusiva para a Matinê, onde falou sobre o processo de criação do filme e do que queria mostrar com o longa. Confira como foi:

Matheus (Matinê): Pablo, antes de falarmos diretamente sobre o filme, gostaria de saber como surgiu a ideia de fazer Invisível, tendo o aborto como tema, que é sempre um assunto delicado de se tocar. Então, como surgiu a ideia de falar sobre este assunto em Invisível?

Pablo Giorgelli: “A ideia surge de uma outra direção, ela não vem diretamente do aborto ou da gravidez, pois pensamos primeiro na adolescência. Pensamos em fazer um filme sobre a adolescência, foi essa a primeira coisa que me interessou. Por isso resolvemos pensar sobre este assunto primeiro, olhando a adolescência como adultos e depois, sim, apareceu a questão da gravidez. Quando esse tema surgiu o pensamento do aborto veio junto com ele. Então, eu não disse ou pensei em fazer um filme sobre o aborto, tudo isso foi aparecendo durante o processo, pois o que mais me interessava era retratar a adolescência dentro de um contexto político e social que muitas vezes tem consequências diretas  na vida dos adolescentes.”

Matheus: Depois que o tema do aborto apareceu, como você trabalhou para que ele fosse inserido no filme?

Pablo Giorgelli: “Quando isso apareceu, eu me dediquei a investigar melhor o assunto e percebi que o filme precisava ser contato do ponto de vista da personagem, ela que deveria estar no topo da história e não eu como diretor. Então isso foi definindo o formato do filme, a estética da história, para que ela fosse contada através daquela personagem (Ely). E de algum jeito eu me polia como diretor, pois o mais importante era que o meu trabalho como diretor passasse despercebido, como se eu não existisse, ela (Ely) é quem nos conta a história, é um pouco esquizofrênico o que eu te digo, mas foi assim que funcionou parte desse trabalho, que tratava de me colocar no lugar dela e eu (Pablo) desaparecer, eu me transformei em Ely, eu sou Ely por momentos. É isso que define o meu trabalho (em Invisível), que define o filme, o que é tão importante quanto a história, pois eu não poderia ter contado ela de outra maneira.”

Matheus: A partir disso, como foi definir essa abordagem, que também ditaria o tom da história de Invisível?

Pablo Giorgelli: “Uma parte de fazer um filme é descobrir como contar a história desse filme, a princípio eu não sei como fazer, mas aí tenho uma intuição, uma ideia, começo a seguir essa intuição e vou trabalhando. Com o tempo eu vou encontrando o filme, durante o roteiro, quando selecionamos os atores, quando encontramos as locações e aí sim eu descubro como o filme precisa ser. Nesse caso, o que eu descobri é que Invisível precisava ser muito simples, muito direto, sem ficar dando voltas ou criar distrações, e nesse processo, então, eu encontro como contar o conflito interior e exterior de Ely, como contar esse contexto político e social, como contar esse mundo adulto em que ela está – além da falta de comunicação que existe entre os adultos e Ely (ou o mundo dos adolescentes), pois ela não se comunica com os adultos e os adultos não se comunicam com ela. Então esses elementos foram dando forma ao que finalmente se torna Invisível.”

Matheus: Dentro dessa diferença de mundos, entre adultos e adolescentes, como foi inserir esses elementos contextuais em uma história tão pessoal como essa, colocando personagens que não a apoiam a decisão do aborto, mas que também não a questionam, sem deixar que a abordagem pessoal de Invisível fosse alterada?

Pablo Giorgelli:  “O que acontece é que cada personagem tem a sua lógica (dentro da história) e eles não podem ser o que eles querem, são personagens que não podem ser qualquer coisa, se não eles não seriam uma boa decisão do autor, e com o tempo a personalidade e a função desses personagens na história vai aparecendo. Claro que a gente decide como esses personagens enfrentam certas situações, como no caso de Nobio que não queria que Ely tivesse o bebê. Então você usa todos os seus recursos para as coisas se resolverem de acordo com o que você precisa. A mãe, por exemplo, tem o seu próprio conflito; a amiga tem lugar durante um momento porque Ely lhe dá esse lugar, mas quando Ely não libera esse espaço a amiga não tem lugar (no filme) porque Ely decide ir por outro caminho. É mais ou menos desse jeito que funciona, mas claramente todos esses personagens estão ali em função de Ely, ela é a protagonista exclusiva do filme, ela é o principal do filme o tempo todo, em cada plano.”

Matheus: Já que falamos de Ely, como vocês escolheram Mora (Arenillas) para viver a protagonista?

Pablo Giorgelli: “Encontrar a atriz para o papel foi um processo de seleção muito longo. A Mora, no começo, era muito jovem, tinha só 15 anos, e por isso nós havíamos descartado ela, por causa da idade, mas mesmo assim ela nunca saiu da minha cabeça. Um ano e meio depois eu pedi que a chamassem novamente e quando eu a vi não tive dúvidas de que era ela, porque ela entendeu rapidamente o que era o filme, qual o tom da história, como que eu queria fazer esse filme, como era o conflito da personagem e que era  um conflito interno. Eu não queria que isso fosse explicado com palavras, por isso ela fala sozinha quando é preciso, e ela não é uma personagem que conversa o tempo todo – como é comum. Mas eu não diria que o filme é silencioso, é um filme que está cheio de palavras, todos falam muito (os adultos, os professores, os médicos, a televisão, o rádio), são muitas palavras dentro do filme, mas Ely, talvez, escuta mais do que fala porque ela está processando e descobrindo o que fazer.”

Matheus: Para encerrarmos, como foi contar essa história que aqui está na ficção, mas tendo em mente que ela acontece com meninas e mulheres na Argentina, no Brasil e em vários lugares do mundo?

Pablo Giorgelli: “Bom, foi algo que eu fui descobrindo durante o processo de fazer o filme e têm muitas coisas que eu descartei e que acabaram indo fora, das coisas que eu filmei. Mas nesse processo eu descobri que o filme deveria ser deste jeito, o mais realista e direto possível, sem distrair o espectador. Por isso eu me preocupei em contar de uma forma muito verdadeira e sensível o conflito que ela passa durante aqueles dias e desse estágio incomunicável da adolescência com o mundo adulto, e esse contexto político e social. Isso, inclusive, é bastante parecido com outros países da América Latina, na verdade, creio que esse tema de desamparo e da falta de comunicação é algo universal, mas todos nós sabemos que a adolescência é uma transição, onde não somos mais crianças e também não somos adultos. Então foi desse jeito que eu fui trabalhando a forma e descobrindo a alma desse filme, e isso é difícil, pois para mim, algo sem alma parece não existir.”

Confira o trailer de Invisível:

 

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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.