Adão Negro estreou na última quinta-feira, 20, nos cinemas brasileiros e representa uma nova fase para a DC Comics nas telonas. Essa afirmação parte do próprio astro do longa-metragem, Dwayne Johnson, que nos últimos dias respondeu alguns comentários sobre o filme em seu perfil no Twitter.

Em uma das respostas, o ator diz que “Adão Negro servirá como a nossa Fase 1 de narrativa no Universo DC”. The Rock, como também é conhecido, ainda afirmou, na mesma publicação, que a partir de agora serão tempos importantes para a construção e afirmação destes filmes.

Desde 2013, quando Zack Snyder levou aos cinemas ainda polêmico O Homem de Aço, a Warner Bros. e a DC Comics tentam criar o seu próprio universo cinematográfico de heróis, fazendo frente a rival Disney com a Marvel – e independente de qualquer disputa mercadológica, feliz é o fã que vê seus personagens favoritos ganhando vida nos cinemas. É fato, porém, que o caminho trilhado pela DC Comics foi bastante tempestuoso até então. Mudanças no comando dos filmes, problemas de bastidores e críticas negativas foram alguns dos percalços enfrentados pelo estúdio e pelos seus personagens.

Adão Negro chega quando este cenário está mais brando, momento também em que a própria Warner Bros. vive uma transição desde a união com a Discovery. É fato também que ainda existe um bastidor conturbado, sobretudo por conta do cancelamento de Batgirl e outras animações, mas Adão Negro e o empenho de Dwayne Johson realmente podem ser um pontapé inicial para uma nova era da DC nos cinemas.

Para isso, é muito importante entender o que o estúdio e a divisão que já fora chamada de DC Films querem com este “universo DC” citado por The Rock em seu perfil no Twitter. A partir disso, é necessário refletir sobre como Adão Negro representa essa ideia.

Imagem do filme Adão Negro para ilustrar a crítica
Sarah Shahi como Adrianna (esquerda) e Mohammed Amer como Karim (direita) em cena de Adão Negro. | Crédito: divulgação/Warner Bros.

A história do filme se passa nos dias atuais, mas volta 5.000 anos para mostrar o surgimento do primeiro campeão dos Magos Shazam e defensor do povo de Kahndaq. Adão Negro, no entanto, foi aprisionado em uma tumba terrestre logo depois de adquirir os seus poderes e libertado, no presente, por Adrianna (Sarah Shahi) no momento em que ela e Kahndaq precisavam de ajuda. A cidade estava sendo controlada pela Intergangue, um grupo militarizado importante nas histórias em quadrinhos da DC que além de submeter a população local a uma espécie de ditadura, ainda explorava seus recursos naturais para a produção de armas ultra tecnológicas. Teth Adam, como Adão Negro era chamado no passado, surge como uma figura salvadora para este povo.

O filme, no entanto, não trata o personagem como herói, e o próprio não se reconhece como tal. A jornada do protagonista no seu longa-metragem de origem trata da sua relação com os próprios poderes e de como ele recebe isso dos Magos Shazam. Para Adão Negro, o poder dos deuses antigos é muito mais uma maldição do que uma dádiva. Não à toa, independente do que esteja fazendo, Teth Adam carrega destruição e violência para os lugares por onde passa.

É neste contexto que surge a figura de Amanda Waller (Viola Davis), convocando Gavião Negro (Aldis Hodge) e a Sociedade da Justiça para deter e aprisionar, de novo, o Adão Negro. A Sociedade da Justiça, é logo apresentada, mas remete ao que pode ser interpretado como uma obsessão da Warner Bros: grupo de heróis. Waller, enquanto conversa com Gavião, cita a Força Tarefa X, conhecida também como Esquadrão Suicida. Juntam-se a causa Senhor Destino (Pierce Brosnan), Ciclone (Quintessa Swindell) e Esmaga-Átomo (Noah Centineo).

A questão principal sobre a presença da Sociedade da Justiça no filme se dá principalmente sobre o tempo de tela. Para o público que não lê histórias em quadrinhos e tampouco assiste as animações da DC Comics, o grupo de heróis pode não ser conhecido e justamente por isso Adão Negro, por vezes, não é um filme sobre o Adão Negro. É claro que, considerando a intenção de construir um universo cinematográfico, estes personagens teriam bastante tempo de tela e certo desenvolvimento.

Imagem do filme Adão Negro para ilustrar a crítica
Senhor Destino, interpretado por Pierce Brosnan, em cena de Adão Negro. | Crédito: divulgação/Warner Bros.

Dentro deste pensamento, cresce a presença e a importância do Senhor Destino no filme. O personagem, em relação aos demais, é uma ilha, pois é o que há de mais interessante no filme – junto com Adrianna. A figura de Pierce Brosnan facilita essa relação de apego com o espectador. Enquanto Gavião Negro, uma figura mais sisuda e com a visão mais restrita, tem claramente uma jornada de crescimento que será explorada em outras produções.

Ciclone e Esmaga-Átomo, por outro lado, são coadjuvantes dos coadjuvantes, suas participações não são de grande valia para o roteiro. Se não estivessem na história, Adão Negro perderia apenas algumas piadas, sendo que nem todas eram realmente engraçadas.

De forma geral, Adão Negro é um filme bastante comum em relação a outros blockbuster e filmes de super-heróis. O roteiro usa recursos simples para conquistar a simpatia do público, e por consequência fazer a bilheteria do longa-metragem crescer. Isso, claro, não é um defeito, mas deixa explícito que ousadia não está em questão.

Isso se reflete, também, na presença da ameaça no filme. Os vilões da história não são o foco. Por vezes, Adão Negro é um filme de caça ao tesouro, e talvez por isso Jaume Collet-Serra tenha sido escolhido para a direção, afinal lançou Jungle Cruise em 2021 (também estrelado por Dwayne Johnson).

É irônico, porém, que este possa ter sido o principal motivo da escolha do diretor, além de ter trabalho com o astro do filme – para fins de curiosidade, The Rock fez Adão Negro acontecer, seu envolvimento com o longa não é apenas de protagonista, mas envolve também um trabalho muito massivo dentro da Warner Bros. para concretizar o projeto -. Jaume Collet-Serra tem um currículo muito mais interessante no passado, quando dirigiu longas como A Casa de Cera (2005), A Órfã (2009) e Águas Rasas (2016) – leia a crítica do último clicando neste link. Justamente por isso, é surpreendente a falta de identidade do diretor no filme.

Imagem do filme Adão Negro para ilustrar a crítica
Sarah Shahi como Adrianna (esquerda) e Pierce Brosnan como Senhor Destino (direita) em cena de Adão Negro. | Crédito: divulgação/Warner Bros.

Retornando aos vilões e a ameaça no filme, aqui há mais um elemento genérico: Sabbac, o campeão dos demônios do mundo espelhado, é o típico vilão de videogame que não traz peso e tampouco uma ameaça que pode ser mesmo sentida pelo espectador. Tem peso na narrativa, afinal os heróis ou anti-heróis precisam vencê-lo. Mesmo assim, talvez este seja o núcleo mais subdesenvolvido do filme. Os vilões estão ali porque nas narrativas clássicas é necessário ter um embate entre protagonista e antagonista.

Quando a ameaça se trava da Intergangue e envolvia questões políticas e culturais de Kahndaq, incluindo um grupo de resistência chefiado por Adrianna, tudo era muito mais interessante. Embora o roteiro apenas pincele estas questões, que se desdobravam também com um questionamento sobre a presença da Sociedade da Justiça no local, Adão Negra decide seguir pelos caminhos mais óbvios, priorizando o entretenimento dos espectadores. 

Seria ousado demais trazer à tona um personagem que não se define como herói, mas que pode salvar um povo das mãos de ditadores. Teth Adam, por alguns momentos, era exatamente o que os kahndaquianos precisavam e a chegada da Sociedade da Justiça estava tirando dessas pessoas o direito de se livrarem da maldade que estava instalada na cidade. O grupo de heróis enviado por Amanda Waller era, então, uma intervenção estadunidense que ninguém havia pedido, e foi para Kahndaq na hora errada, afinal, por que Gavião Negro e seus amigos não interviram nas ações da Intergangue antes?

Se Adão Negro tivesse seguido por este caminho, além de garantir entretenimento ao público, o filme também daria um passo para fora da bolha dos super-heróis, mas escolheu ser o típico enlatado padrão de um grande estúdio ao desperdiçar o que havia de mais interessante na sua narrativa.

Avaliação
Regular
6.0
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Sou jornalista, fundador e editor da Matinê Cine&TV. Escrevo sobre cinema e séries desde 2014. No jornalismo tenho apreço pelo cultural e literário, além de estudar e trabalhar com podcasts. Além dos filmes e séries, também gosto de sociedade e direitos humanos.